quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Presente de Natal!

Recebi este selo do blog "Abrindo a cabeça" (http://coracaoonline.blogspot.com/) há alguns meses atrás e com este atraso venho postá-lo, não sem antes agradecer a blogueira e autora do blog, Tatiana, a qual admiro e respeito por tudo que escreve.


Segundo as regras, devo presentear também com este selo mais 10 blogs, e cada um destes deve presentear outros 10, além de divulgarem em seu blog o selo e o link do presenteador. Eis a lista:








Penso. Logo creio. (http://williamkoppe.blogspot.com/)




Outro selo que ganhei recentemente veio do blog http://blogkawai2.blogspot.com/.

Com este não vieram regras, mas deixo claro que também presenteio os seguintes blogs:

LiterAmado (http://literamado.blogspot.com/)

Luz, Sentido e Palavra (http://luzsentidoepalavra.blogspot.com/)

Além do que se vê (http://bloggalemdoqueseve.blogspot.com/)

Pensatividades (http://pensatividades.blogspot.com/)

Apartheid na Palestina (http://apartheidnapalestina.blogspot.com/)

Intensivo (http://intensivo.wordpress.com/)

Paradoxo Visceral (http://paradoxovisceral.blogspot.com/)

Penso. Logo creio. (http://williamkoppe.blogspot.com/)

Filosofilmes (http://filosofilmes.blogspot.com/)

Abrindo a cabeça (http://coracaoonline.blogspot.com/)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Pluralidade

A gaivota bate as asas. Alça vôos desimpedidos sobre as águas do mar azul. Entre penas mergulha no vento, sente sua força. Ora ela o enfrenta quase a parar, no ar fica como se estivesse a levitar, flutuar; ora ela se permite entrar em seu curso, deixando-se acelerar num vôo célere, arrasador e certeiro, carregado de adrenalina. As aves têm disso? Não sei... Nem importa se sabemos. Suas asas são de liberdade, embora ela não o saiba. A consciência não lhe perturba, sua famosa “voz” não fala com gaivotas. Mas ela segue pairando nos ares vagos. Existem muitas maneiras de experimentar a vida.

O cão passa com seu focinho atento que o guia e o leva aos lugares de odores familiares ou quem sabe para os mais tentadores. São peripécias de um destino jamais traçado, dado aos acasos dos temperos ou dos lixos. Seu faro segue sem as ditas “boas maneiras” entre o podre e o fresco. Como foi dito, os cães não se dão com as etiquetas. Alguns não conhecem nem mesmo os limites de ter um dono. São livres mesmo sem sabê-lo. Ele cheira, fuça. Existem muitas maneiras de experimentar o mundo.

Os carrapatos sobem com suas patas minúsculas. Elas procuram árvores, madeiras, lugares altos. Sem saberem o nome, carregam consigo a dádiva da paciência. Passam dias, semanas, meses e mais meses em jejum. Mas por isso não são santos. Que o digam os cães. Lá em cima essas criaturas recebem seu estímulo que vem de baixo, permitindo-se uma livre queda que não os leva ao grau de suicidas. Pelo contrário, é chegado o momento de se alimentarem, de sugarem sangue, de brincarem de vampiro. Sugam um sangue sem roubar a condição mortal de suas vítimas. Eles não sabem que muitos os odeiam. Liberdade da vida artrópode. Existem muitas maneiras de experimentar o outro.

A amante rodeia, espera. A paciência é seu algoz e seu ponto de ebulição. Ela a fada líquida e afrodisíaca. Entrega-se em deleite ao irromper em braços de abraços, suores, tremores. A amante toca, tateia, sente. A amante lambe, prova, degusta. Essa mulher não conhece as amálgamas da antiga instituição burguesa. A histeria não lhe encarna num divã. Seus encontros não exigem troca de alianças. Ela está livre para fugir e para gozar. Livre para deixar. Existem muitas maneiras de experimentar os corpos.

O drogado alucina. O louco delira. A formiga ajunta. O leão mata. A hiena ri. A criança fantasia. O palhaço se pinta. A menina também. Um rizoma se espalha. O inferno suicida. A cobra ataca. O atleta corre. O recém-nascido chora. O recém-nascido mama. O músico ouve. O poeta finge. O jovem quebra. Os olhos pedem. Uma voz se espalha. Os budistas meditam. O preguiçoso dorme. Um furacão levanta. O tsunami engole. O camaleão engana. A lagarta faz-se borboleta.

Existem muitas maneiras de experimentar...


Bruno Costa



quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Imperativos da Felicidade

Abriu a primeira gaveta da cômoda ao lado da cama de seu quarto. Encontrava-se já fechada havia algum tempo, não muito. Ali, o título do livro lhe anuncia a salvação possível. Não era a bíblia, o talmude ou o alcorão, tampouco um livro do darma budista. Estes andam por demais ultrapassados na era tecnicista, embora os usos ultrapassem os tempos, são as contradições da história. Recebera no último natal, época em que o leu vorazmente, ou como se diz no popular, “devorou-o”. Apesar disso, o livro agora lhe parece inteiramente estranho, carregando consigo um conteúdo desconhecido. Sabemos como acabam empoeirados os títulos outrora cobiçados, mas este em especial trouxera ares de esperança quando Francisco pedira no amigo-oculto do trabalho. José, seu primo, aconselhara a leitura após ter superado um período delicado com sua ajuda, ou auto-ajuda e, claro, a do psicoterapeuta. Na verdade, este último foi quem indicou a leitura. Porém, pareceu-lhe não fazer mais o mesmo sentido. Afinal, essas coisas não costumam retornar, a cada dia o seu mal e assim vamos seguindo, mesmo quando não gostamos de aceitar. De certo que a vida seja marcada pelo que deixamos de ser no tempo, não o contrário. 

Talvez fosse mais recomendável procurar por outro especialista. Francisco já se encontrava cético quanto ao poder de sua alimentação balanceada, já desconfia do prometido bem-estar cujos efeitos revigorantes ainda não viu. Os exercícios matutinos sem dúvida são bons, mas seu corpo demanda por mais, porém nada que uma série mais alongada possa dar conta. Então, um psiquiatra, quem sabe? Talvez possua algum distúrbio como o de Laura, sua ex-mulher. Ou então uma síndrome pouco explorada pelas ciências humanas, como a de seu já falecido tio Jarbas. Quem sabe ainda um transtorno como o da vizinha Manuela. Até mesmo poderia ser o “de cujus” da TDAH de seu filho, o infeliz herdeiro. Mal sabe Francisco quantas mais não são as multiplicações das páginas dos compêndios psiquiátricos e psicológicos. Que ele não leia a respeito das estimativas. “Mais fácil para um bom diagnóstico?”, perguntou ao vento, “mais difícil alcançar a normalidade”, ponderou surpreso com o lugar ao qual o pensamento o levara.

“Há de existir uma trilha sem nome, sem fim”. Francisco decidiu que era hora de dar um tempo da ordem desordenada de sua vida. Era hora de se deixar levar, errar sem destino. Tatear sem pistas, sem objetivo, sem projeto. Andar sobre as vagas, flutuar. “O caminho da felicidade é o que nos impossibilita de alcançá-la, ou melhor, de criá-la”, conjecturou. Entre prantos e sorrisos, Francisco fechou a gaveta da cômoda.

Bruno Costa

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Verdades e ironias

No domingo, talvez o mais sagrado do ano e, quem saberá dos próximos quatro, a freira vota buscando exprimir a essência divina em duas teclas para que se faça conhecer a vontade una e transcendente aos mortais, apontando é claro, para sua dimensão eterna, para a incorruptibilidade do espírito. Seu voto, nos dois sentidos, denuncia a astúcia da carne, ledo engano para o caminho da perdição, da degeneração e aniquilamento da alma. Sua confirmação se da pela e para confissão da natureza pecaminosa dos homens, primeiro passo para expiação dos pecados. Aperta a tecla, aperta ao lado, aperta o verde. Redenção.

O fiel, obediente e temeroso, caminha a mesma vereda trilhada pelo sacerdote contemporâneo. Este último, homem de muita fé, virtuoso e escolhido pelo Senhor para combater o bom combate, a batalha dos séculos, o jogo que não se vê. Enfrenta os olhares e adentra o baixio das bestas para cravar no coração do maligno a espada de fogo celestial. Do púlpito, ele traduz a língua dos anjos e a vontade do Senhor dos Exércitos para o povo escolhido, que sairá dali com a certeza de que aqueles dois números renovarão de esperança uma sociedade entregue aos prazeres da carne e assim ruma para o fogo eterno, mas disso já falamos. Aperta um e depois o outro e o verde em seguida. Vitória.

A jovem pensa que ainda é tempo de viver sob a égide da moral de seus pais e, talvez mesmo a dos pais de seus pais. Tudo para que não entre o mundo em colapso e para que não seja em seus dias a derrocada da vida humana. Não é preciso criar novos valores, eles já lá estão. A família não pode ruir, pois sem ela não teríamos chegado tão longe. A diferença não pode passar assim, levianamente, atacando e ferindo o direito de outros já conquistados. A moral e os bons costumes devem superar o caos. Três toques. Justiça.

Todos que, entre o bem e o mal que se oferecem às vistas, escolhem o bem, para que não chegue o dia em que olhem para trás e digam “estivemos quietos”, apertam os dois números e confirmam. Vida.

Na semana seguinte ao triunfo do domingo pacífico e sangrento, já se contabilizam dezessete jovens espancados, três dos quais não resistiram aos ferimentos, ao longo do território da pátria Brasil. Todos réus confessos da onda fascista e inconsequente que insistem em encarnar: "gays". Ainda com o passar de mais alguns dias, dezoito jovens são encontradas mortas na periferia, carregando em seus corpos o que não poderiam esconder, ainda que tivessem tentado: "mães sem coração". No decorrer do ano, dez jovens ainda seriam presos por atos de terrorismo e vandalismo, desafiando a imprensa em sua liberdade limpa, inocente e neutra em favor da verdade agora e sempre.

O Brasil pôde mais.



Bruno Costa

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Considerações provisórias 2

É impressionante como política na maioria das vezes não interessa ao povo brasileiro.

As pessoas reclamam dos candidatos, mas de fato, poucos refletem ou reclamam de seus próprios atos. A memória dos brasileiros por muitas vezes tem se mostrado bastante curta. Alguém me explica como pode Fernando Collor de Mello quase disputar o 2º turno para o cargo de Governador do estado de Alagoas no ano de 2010? E antes disso... como fora senador do ainda Alagoas? Pior que diante de tudo isso, ainda sim, presenciamos a dificuldade pra validar a Lei do "ficha limpa" as vésperas de uma eleição... afinal, pra que a pressa?!

O eleitor as vezes não compreende que a democracia em exercício, como já dito em post anterior, é não somente o ato de votar, mas também, dentre outras coisas, o acompanhamento do percurso do candidato ao qual fora delegado o “poder” de representatividade. O governo não é do político x ou y apenas. O governo é do povo! Deveria ser de todos! Se o povo não está de acordo com o tipo de governo, ou se as propostas eleitorais não são cumpridas durante o mandato, é o povo quem deve também fiscalizar e ir pras ruas exigir que a política não seja "essa palhaçada” como muitos fazem questão de admitir em alto e bom som. E são esses mesmos, que por muitas vezes nem sequer lembram em quem votaram para os demais cargos que não o de presidente... como então cobrar alguma coisa? Sendo assim, o “circo” é montado e segue seu itinerário levando gargalhadas a fora; de alguma forma tem público cativo, passivo, sempre nas fileiras e cadeiras, atentos, em alguns momentos até aplaudindo. Muitos se distraem com o doce, com a pipoca, com a paquera que está ao lado, com a chuva que segue do lado de fora... enfim, seja qual for o motivo, o particular é sempre mais importante que a cena, ou seja, nesse caso o cenário político.

Muitas pessoas, em especial a comunidade cristã, estão se manifestando contra a candidatura de Dilma Roussef à presidência, baseando-se em algumas questões que tem aparecido no quadro eleitoral já há algumas décadas. Não é com intencionalidade de julgamento que faço esse comentário, apenas sugiro que possamos parar pra pensar o porquê não nos unimos assim para criticar o dinheiro que é desviado da saúde e da educação, por exemplo, ou para defendermos o combate a pobreza, ao preconceito, a segregação, as vozes que são caladas diariamente? Por que não reflitimos sobre essa visibilidade e produção de conhecimento impossibilitada para alguns específicos grupos socias? O que é mostrado na maioria das vezes, geralmente se faz através de uma lente negativa, afirmando a desclassificação, mantida pelo discurso midiático, que por muitas vezes reproduzimos. Mas porque poucos questionam o que afeta o outro, quando a questão não nos afeta? Exitem muitas questões que ferem também os princípios cristãos e que desejariam chamar a mesma atenção que algumas tem chamado nesse último mês. Vamos pensar sobre a pobreza, a educação, a saúde, a falta de amor, a violência, a intolerância, a desigualdade social... seria muito bom se essas coisas nos motivassem a exigir uma posição dos canditados e do governo.

O PSDB agora está preocupado em acusar o PT como “o partido que não gosta da imprensa”, mas o “papel” para o qual a maior parte da mídia atualmente se presa pode se dizer questionável. O Brasil nunca esquecerá a contribuição de uma parte militar, direitista e conservadora do governo/população que calou jornalista e matou seus opositores, numa ditadura que está logo ali atrás... dessa censura não se toca no assunto. O que se discute em relação a censura atualmente é apenas a superficialidade, ninguém quer partilhar a monopólio dos meios de comunicação, preocupam-se apenas se vão poder continuar manipulando e “construindo” o cidadão de modo favorável a manutenção da “ordem”! Pouco se discute democratizar os meios comunicativos e viabilizar a liberdade de expressão, isso não é assunto pra pauta! É importante lembrarmos, como já diria um bom professor de sociologia que conheço, que “a primeira versão é sempre a primeira versão e não o fato”, sendo assim, por vezes, faz bem desconfiar da primeira versão.

As vésperas de um 2º turno, assim como devemos pensar em quem iremos votar, seria interessante pensarmos a nossa atitude enquanto cidadão, a nossa atitude enquanto povo, que acredito ser um povo com muito valor e que muito pode! Nesse sentido eu não desejo a manutenção da ordem... não dessa “ordem” que bem conhecemos! Eu prefiro a dúvida, o questionamento, a transformação! Isso que tanto lutam pra que não possamos conquistar!!

Querem corpos dóceis. Sendo assim... eu prefiro o “caos”.... Bem vindo seja!


Joyce Abbade

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Considerações provisórias

Passados poucos dias desde o domingo “mais importante” do ano, cabem algumas ponderações a respeito de todo processo. Não se preocupem, pois não se trata do que muita se sabe, ou seja, Tiririca, Romário, Garotinho ou outros quaisquer foram eleitos. Azar o nosso, bem sabemos. Tampouco irei reclamar e dizer que tudo será igual e corrupto como sempre. Doravante prossigamos.

Ao ligar a TV vemos propagandas fora e dentro de horas. Nas ruas, panfletos sujam as cidades a cada esquina. Cartazes se espalham. O telefone toca e a voz robótica anuncia as boas novas de tal candidato. Por e-mail você recebe, sem desejar, propostas de um não-contato. Parados, ouvimos os sons de carros com mensagens eleitoreiras. Nos debates quase não se discute conceitos, estruturas, ideias ou ideais. Busca-se vender atrativos e vantagens para cada eleitor e, assim, angariar uns tanto votos mais. Músicas de fundo, crianças e velhos, ônibus e trens, enfim, lugares que não conhecem os quantos candidatos.

Estamos em pleno século XXI, mas ao contrário do que imaginam muitos, o moralismo ainda não foi superado, nem mesmo trocado. Circularam e-mails – estes geralmente enviados por evangélicos, como em todo ano de eleição – espalhavam que certo candidato a vice-presidência seria satanista. Junte-se a isto uma suposta perseguição aos cristãos que, pasmem, serão proibidos de condenar o homossexualismo e em especial sua almejada união conjugal. Ainda, como tática eleitoreira, diminuiu-se a desvantagem percentual ressuscitando fantasmas do passado, como o aborto, por exemplo, que assustaram nossos pais e avós. Porém, “ainda somos os mesmos como nossos pais”, já bem dizia a canção. Não se relacionou este problema à saúde pública, dado que muitas mulheres perdem a vida ou a comprometem por não terem condições de bancar o alto custo de uma clínica clandestina, como algumas outras podem e assim o fazem. Sendo contrário ou favorável, poderíamos ampliar o debate sem demonizar as partes.

Outros tantos eleitores, demasiado fatigados por não verem resultados que se prezem no entra-e-sai dos anos, resolveram dar seu voto à protesto. Talvez tenham esquecido que isso não terá qualquer efeito a que se possa chamar, como o nome merece, “protesto”. Nada sim, é o que irá resultar daí. Outros dirão que independentemente dos que lá estiverem tudo será igualmente ruim; não é necessário muito para saber que não é bem por aí. Basta olhar uns dez anos atrás e ver a situação das universidades públicas, as quais muito mal seguravam professores, quanto menos verbas para uma pesquisa e desenvolvimento acadêmico.

Talvez, nosso grande erro no Brasil seja pensarmos a democracia como apenas representativa e o voto como sua consumação máxima. Eleger alguém não significa suportá-lo “haja o que houver” por quatro anos necessariamente. Podemos cobrá-los, como também participar ativamente da direção política da sociedade que somos. Infelizmente os movimentos sociais são escarnecidos e parece valer mais ter crédito para curtir as delícias do capitalismo via shopping Center. A democracia deve dizer de como queremos ser governados e não apenas por quem.

DEMOKRATÍA, do grego, “governo do povo”.

Bruno Costa

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Mais um Silva

O barulho do despertador não é o som mais agradável para anunciar o início da manhã de mais uma segunda-feira, apontando o começo de mais uma semana de aventuras na vida de mais um Silva. Antes, contudo, é necessário jogar uma água fria, não necessitamos de um balde cheio, nos leitoras esperançosos por adentrarem uma história de ação, viagem ou mesmo um tórrido romance. O que resolvi chamar provisoriamente de aventura pode, um pouco mais adiante, receber outros nomes menos entusiastas. Fica ao cargo de cada um quando for chegada a hora.

Seria mais justo com nosso Silva, deixar claro que mal começou o dia, ou ainda, nem bem começou o dia e ele já estava de pé. Isso ocorria toda semana, há alguns meses, o que não torna nada mais brando, ao contrário do que se poderia ingenuamente pensar. Ainda sonolento ele segue seu ritual diurno; lavar o rosto, tomar café, escovar os dentes, trocar a roupa, pouco importando a ordem dos fatores. O que altera o produto de nosso protagonista é sua devoção a Nossa Senhora, acredita ele. Nenhuma em especial; não a dos motoqueiros, não a dos pobres, nem mesmo a dos trabalhadores. Talvez a da grande família Silva, se houvesse, ou se ele soubesse. Então fica assim, a Mãe do Senhor, como crê e se agrada em entender. Suas mãos selam em seu corpo as marcas invisíveis da cruz e após isto, beija e coloca sua medalha devota.

No pequeno espaço encontrado ao lado de fora, o qual improvisou o denominou garagem, apanha sua motocicleta e sai para abastecer, porém não sem antes fincar sua pequena bandeira amarela, sua propaganda de trabalho, seu anúncio, donde se pode ler “moto-táxi”. O serviço não é legalizado, mas nem por isso deixa de ser importante. O transporte na cidade maravilhosa continua caótico, apesar do eterno futuro promissor. É neste veículo, sem muita segurança, que trabalhadores garantem a chegada de muitos, e disso se orgulha o Silva. Sim, orgulha-se, embora não se iluda. Sabe bem dos riscos das fiscalizações e do baixo lucro. Mas sem muito que fazer, pilota sua moto nas ruas do subúrbio da cidade, que do lado de cá não exibe muitas maravilhas, como bem desconfiamos.

Na primeira parada, duas candidatas se aproximam. Ele encosta e já se percebe o clima de disputa. Nenhuma delas irá ceder o lugar, afinal, ambas, como todos, estão sem tempo de sobra. Logo souberam que não era necessária uma disputa. Como se trata de uma “lotada”, havia espaço para as duas. Entreolharam-se receosas, mas Silva demonstrava confiança e logo tratou de ajudá-las a subir. Os assentos não eram dos mais confortáveis, mas disso já nem se reclama tanto. Pode ser o costume, que também agora em nada alivia a situação. O asfalto não era dos mais lisos, embora ainda muito bem se equilibrasse o trio.

Em alguns momentos, as passageiras ouviam Silva balbuciar algumas palavras, num mesmo tom, mesmo ritmo. Intrigada, a de trás perguntou a da frente o que seriam as palavras. “Ele está rezando uma Ave Maria”, foi a resposta. Logo foi possível ouvir em bom tom “bendito é o fruto do Vosso ventre...”. Até mesmo riram as duas, não sem suceder um grande estranhamento à parada da moto ao sinal de mais um passageiro. Elas discutiram dizendo que já ninguém cabia ali, como se preciso fosse. O rapaz que chegava trazia um sorriso amigo e logo sentou atrás delas; bem apertados e, agora, abraçados, quase fraternamente. Como dizia o rei: “na angústia nasce um irmão”. O medo das jovens não foi maior que a preocupação com o horário da labuta e, além disso, o novo passageiro as tranqüilizou, ou tentou, alegando todo dia fazer a lotada com o Silva. Fugir dos engarrafamentos era o ponto de vantagem. E a viagem prosseguia pela Avenida Brasil, bastante movimentada e perigosa, quando as jovens perceberam que o homem de trás também rezava, em sincronia com Silva. A aventura-pesadelo rumou ao Centro da cidade.

Perto do fim a moto acelerou por entre uns tantos carros, cortando um ônibus em alta velocidade para antecipar o fechamento do semáforo, mesmo este já estando enrubescido. O arrepio os atingiu em cheio e, nesta hora, a fé os uniu. Ou desespero, como queiram. Como um coral de igreja reformada, a plenos pulmões e em uníssono, rogaram a santa “agora e na hora de nossa morte...” e eis que as manobras milagrosas, da santa ou do Silva, mais uma vez permitiram ao protagonista terminar o primeiro serviço do dia, e aos demais sobreviverem. O momento os uniu, tal como um Santíssimo Quarteto. No ponto de chegada despediram-se com um “Amém” que selava a manhã gloriosa.

Silva respira e retorna, em busca de passageiros.

 
                                                                                                                                              Bruno Costa

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Os Sete Pecados Capitais: AVAREZA

Ela vivia há 20 anos naquela mesma rotina, não entendia o sorriso das outras pessoas que lá viviam. Cidade pacata... nada mudava pra ela. Maria, sua irmã, achava tudo uma graça, talvez porque tivesse apenas a metade de seus "longos" anos. Tatiana achava a cidade esquisita, achava as pessoas estranhas, pessoas que valorizavam o jardim da praça, a praça, as datas comemorativas e toda aquela festividade que as acompanhavam; porém... nada lhe confortava, nada afetava Tatiana. As crianças adoravam aquela farra, pois os faziam lembrar das histórias dos mais velhos, cada objeto, cada música, cada veste. Os idosos nem sequer viam o tempo passar, era uma alegria só! Preservar seus laços era tudo o que os faziam olhar para trás com sorriso estampado. Ah! Que beleza era a memória coletiva daquela cidade! Só Tatiana não a contemplava. A dinâmica acontecia: as senhoras eram responsáveis por algumas atividades, como por exemplo cuidar das comidas que encheriam a praça de sabor, os homens garantiam o andamento da cidade e com as crianaças por perto não tinha quem não fosse contagiado por aquela alegria. Era uma delícia cultivar aquela cultura, todo ano era aquela mesma euforia em setembro, mês da festa da cidade, e lá iam todos com seus objetos mais memoráveis para rua, exibi-los aos conterrâneos e aos turistas.
Todos eram bem-vindos! Lá na praça se ouvia de tudo um pouco, cada um falava de seu objeto como o mais bonito, o mais importante... cada qual com o seu fetiche. E dele viviam, pois eram as histórias e o significado simbólico daqueles objetos que valiam quase toda riqueza que mantinha a cidade. Os objetos eram demais desejados pelos que frequentavam a festa; pagava-se o preço que fosse para apenas ver os objetos; algumas raras vezes os vendiam. E assim os habitantes da cidade acumulavam.

Era uma bela rotina para todos, exceto para Tatiana que continuava não vendo graça em nada daquilo. Aquelas pessoas apegadas as suas histórias e objetos, só a faziam sentir-se mais distante daquele sentimento de apego. Cada objeto tinha seu valor e isso era o que mais importava para aqueles habitantes: valor afetivo, valor simbólico e até mesmo o próprio valor monetário. Lá era assim... todo setembro e as vezes até os outros meses do ano giravam em torno do apego ao significado daqueles valores.

Somente Tatiana achava o máximo a cidade vizinha, onde esse valor de guarda e acumulação de objetos não existia. Lá o lema eram as trocas constantes, as relações efusivas e passageiras; os objetos pessoais só significavam enquanto fossem o último modelo nas vitrines. Não existia nenhum penduricário para encenar nada. Tudo tornava-se lixo, após seu tempo restrito de uso... o descarte era o destino. Mas lá Tatiana sentia-se em casa. Dá sua cidade, só tinha olhos para toda aquela novidade da cidade ao lado, lá não se mantinha nada; com o descarte... a única coisa que se mantinham era o lixo... que se acumulava a cada instante.

Tatiana seguia assim... preferia não ver a beleza do "ar fresco" que respirava ao abrir sua janela. Só tinha olhos pro lixo, mesmo que indiretamente!


Joyce Abbade

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os Sete Pecados Capitais: INVEJA

Dona Amélia, queria e somente, fazer o cozido de seu marido. Mas de fino, na cozinha, nada havia que fazia que o fizesse sorrir. Porém, na cama, não há engano. Ela o faz feliz. Todo amor, com ardor, ele tem ali. O homem nem podia aguentar o dia que amanhã seria, tamanho desgaste e alvoroço vividos. Ainda assim, insatisfeita, a danada da Amélia se ressentia. Isso tudo porque não fazia uma iguaria como a da senhorita Antônia.

Senhorita Antônia só queria ser bonita, mas este bem não lhe cabia. Poucas curvas ela tinha. Com seu corpo nada exibia que o fazia sorrir. Mas na cozinha não havia chef que a dobrasse. Era orgulho do marido e seu momento preferido eram os banquetes da degustação . Sorria do início ao fim com tudo que comia, que via que a mulher fazia. Mal cabiam os sabores em seu paladar, tamanha diversidade de fatias. Ainda assim, insatisfeita, a teimosa da Antônia se ressentia. Isso tudo porque beleza não teria, como a da menina Alice.


A menina Alice queria ainda ter marido, mas este já se foi, e foi sem explicar. A vida quis assim, ou não mais. Não poderia mais fazer Gabriel sorrir. A jovem Alice, tão bela, já nem de casa saía. Sua beleza não vinha de academia, nem outro exercício qualquer que fazia. Seus belos seios, sua cintura fina, seu quadril arrebitado, suas pernas, pele, cabelos...todas as medidas numa mulher só. Os homens a queriam! Sem proveito, pois a beleza, que agora de nada lhe serve, Alice só pensa em ver no espelho do solitário lar. Por muito ainda, insatisfeita, a coitada da Alice se ressentia. Isso tudo porque seu homem queria ter, ou outro, como Seu João.

Seu João só queria fazer sentido pra essa vida. Seja na cama, na cozinha ou no sofá, nenhum lugar o fazia sorrir. Todos diziam que tinha a melhor mulher: trabalha, passa, cozinha e, na cama, faz o que quer. Mas no olhar da manhã, não lhe sobra nada. A vida a dois mais parece uma maquinaria, a qual operário não quer. Ainda assim, com aliança, o melancólico João se ressentia. Isso tudo porque já nem viver queria. Queria apenas um coração como o de Gabriel, que já nem sequer batia.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Os Sete Pecados Capitais: Luxúria

Todos os domingos eram dias de virtuosa caridade. Após a missa, reuniam-se os padres, as freiras e os coroinhas, para realizarem as visitas. Escolhiam uma comunidade, possivelmente carente no que tange às finanças, mas que não fica bem nos dias que se chamam hoje, chamarmos de “favela”. Embora adornados os batismos, as condições de vida e sobrevida se conservam. Entendido o que foi dito, doravante continuemos.

Tudo pronto. O carro encarregado de transportar as cestas básicas que salvam o corpo, as roupas e os cobertores que alimentam a pele, e as boas-novas que aquecem as almas, já havia chegado. Foram assim os da paróquia para mais um evangelismo dominical. Lá, uns para um lado, outros para outro, alguns ainda para um terceiro. É que nestes lugares não faltam entradas outras, novos becos, como um labirinto desmedido para os do asfalto; uma cartografia lida para os de dentro.

Numa destas casas qualquer, bateu frei Tomás. Na verdade não bateu, por medo de derrubar a porta moribunda, causando assim um constrangimento logo na entrada. Chamou por palmas até ser atendido por uma mulher que, surpresa como quem espera algo demasiado aguardado, pediu que entrasse. A ordem era não adentrar sozinho em casa de mulher sozinha, sem sinal de presença masculina. Entretanto, talvez pelo olhar de súplica daquela mulher, ele cedeu. Esforçou-se ela para o deixar acomodado em seu humilde lar, enquanto apanhava a cesta com as roupas, e logo as levou para dentro. Conversaram.

Frei Tomás inspirou profundamente, encheu os pulmões de ar, buscando sentido, em desalento pela história de vida da moça. Não poderia saber o que viria. Ainda jovem, apenas 26 anos, embora não tenha vivido menos de 35. Seus 4 filhos não estavam em casa. Foi viúva uma vez aos 19. Abandonada outra vez, aos 25, mas não por motivo de morte. Após a prece, como uma palavra de consolo, o frei lhe disse que tudo iria melhorar. Então, ela pediu que o fizesse.

Desatou o laço que amarrava seu vestido. Despiu-se. Não era bela. Não havia formosura em seu corpo. O frei emudeceu. Pálido e avermelhado, tudo em perfeita sincronia. Ela queixou-se de uma vida sem prazeres e disse: “Nunca tive um homem tão bem apanhado em minha frente. Saudável, forte, bonito. Se veio trazer algo bom... que seja pleno”. Quantos sentimentos não percorreram a pele deste virgem frei... mas apenas afetos. Nada na consciência. Nenhuma explicação. Silenciado, por não haver o que dizer. Entendendo por consentimento o que cala, ela se aproximou, pegou sua mão e a pressionou contra os seios. Beijou-o. Convidativa, caminhou em direção ao quarto, deitando-se.

Muitas idéias podem se fazer deste momento. Carne fraca, pecado. A elaboração tardia de um Édipo, ou até mesmo uma vingança à castração psicanalítica. Proveito próprio. Filantropia. Enfim, várias teses e antíteses que não chegariam a qualquer síntese. Vício da razão, essa nossa tara em explicar tudo cartesianamente.

Fizeram amor. Ou, para fazer jus à linguagem sacra, ele a possuiu.

Obs.: Inspirado numa história real.



Bruno Costa

terça-feira, 6 de julho de 2010

Os Sete Pecados Capitais: GULA

Ele nunca teve muitas regalias na vida. Por outro lado, não se poderia dizer que não é vaidoso, ou até mesmo avarento, pois isso jamais lhe foi possível. Afinal, ele não é íntimo dos delírios, embora, talvez fosse esse um caminho menos duro, menos áspero, menos pesado. Na mais tenra infância, esse menino já passou por escassez severa, mas a fome, como se pode imaginar, é a mais cruel das misérias, porque ela traz consigo a denúncia de todas as outras.
Não foi instruído nos caminhos dos padres, nem mesmo em qualquer outra religião. Também não era ateu, pois os dogmas da ciência tampouco lhe chegaram as vistas. Simplesmente acredita em Deus, sem mais nomes. Somente isto, até porque mal não lhe faz. Apesar da pouca idade e da difícil "vida de cão", é capaz de contar algumas boas lembranças, motivos de orgulho, embora não convenha contar aqui e agora, para não fugirmos demasiado do contexto do texto proposto. Porém, suas boas memórias, juntamente com a saudade, são dos dias de natal, dos banquetes armados na Cinelândia por alguma igreja, a qual ele nem sabe ao certo o nome.
Tudo se inicia no pão à metro. Pão, milho, requeijão, alface, frango desfiado. Acompanhado de um gelado copo de refrigerante, muito bem aproveitado no verão de dezembro, embora os refrescos também o esperem. Bananas, sim, mais de uma. Bolo de fubá, bolo de cenoura, bolo de chocolate. Uvas, muitas uvas, com caroço e tudo. Uma pausa para respirar... Rabanada com canela, sem canela, só canela. Morango, antes da salada de frutas que fica por último. A bacalhoada também não pode ser esquecida, mas nessas horas não há amnésia que o acometa de tal sandice. Come de tudo, não se dando ao luxo de desdenhar de qualquer alimento. As ulteriores dores de barriga não lhe são problema. Alguns chegaram a lhe dizer que é consequência do pecado, do olho grande, da glutonaria. "Então o inferno é meu lugar", respondeu certa vez, sem tempo para pensar muito no que havia dito. Sábio ou louco?
De qualquer forma, algo ele havia reparado, ainda que não lhe ocorresse nenhuma explicação lógica para tanto. Perdoemos. Ainda é jovial seu modo de pensar. Todavia, voltando ao texto, como bom observador, percebeu que a maioria das pessoas gordinhas que conhecia ou via, demonstravam certo constrangimento com sua aparência. Quem sabe o tenha sensibilizado este "fenômeno" pelo fato de que era desejo seu, ainda que por efeito, ou melhor, principalmente por efeito, ser gordo. Que boa seriam muitas noites de banquete num único ano. O que ele não sabe é que a indústria do bem-estar se casou com a indústria da beleza, e dessa união nasceu um filho único: a magreza.
Enquanto isso, pela cidade, nos 365 dias do ano, muitos possíveis banquetes não se tornam reais. Num apartamento próximo, Gisele duramente diz "não" à mesa. Fernando se controla para manter o teor de gordura no mínimo. Giovana enfia o dedo na garganta e extrai suas "impurezas". Rogério não sai de casa por não ter roupas que lhe caiam bem e permanece trancado em casa, comendo culpa, devorando-a.
De repente, em um dia qualquer, nosso personagem principal entenda isso. Embora, por motivos de conter uma revolta ou um desgosto que denuncie a desventura de ter nascido em lar desprovido, seria melhor não...
Bruno Costa

terça-feira, 22 de junho de 2010

Os Sete Pecados Capitais: PREGUIÇA

Não é fácil lidar com a saudade, com o sofrimento... com a morte. Quando precisamos enfrentar tais situações ou sentimentos, muitas vezes nos desestabilizamos.

E não foi diferente com Ana. Sempre ocupada com o viver, não tinha tempo pra pensar no extremo da vida: a morte.

Em um dado momento, Ana percebe que mal tinha tempo para pensar em si, mal tinha tempo para desejar... mal tinha tempo para, de fato, viver. Ia morrendo aos poucos. Sem qualquer real existência. Sobrevivia. Realizava atividades sem desejá-las, sem refleti-las, apenas cumpria o script que tinha recebido de si mesma, pela produção injetada por um sistema padronizado de mundo, onde ser diferente ou ter ações distintas da "massa" te torna: o estranho.
É nesse mundo em que não se é permitido parar, que a preguiça é condenada.

Ana então, se permitiu a lentidão. Passou a desejar seus atos, a pensá-los, a degustá-los. Passou simplesmente a não fazer, não ir, a não dizer, ou apenas a dizer não. A assumir a preguiça que muitas vezes nos visita.. ainda que sejamos desde pequenos ensinados a dispensá-la. Ana rejeita o que tinha aprendido: no fruir da vida contemporânea "ficar parado" não é bom... "bom" é ser dinâmico.



Ana segue devagar... recebendo olhares... já não tem mais pressa!



Joyce Abbade

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Os Sete Pecados Capitais: IRA

Lá está Jonas novamente, esperando quase como um novato por uma possível renovação, sentado em aconchego no banco da catedral. Naquele ambiente de temperatura amena, onde se refugiara a mais ou menos cinco anos, este simpático senhor se sentia grato, mas também responsável por retribuir toda sorte de mudanças em sua humilde vida, embora não soubesse como mensurar seu quinhão, caso fosse possível. De qualquer modo, deveria permanecer e agradecer, por tudo e por nada.

Já era chegado o momento das ofertas, como haveria mesmo de ser, naturalmente, pontualmente. Olhando ao redor, percebeu a movimentação da membresia, embora ali comparecessem também os ilustres visitantes. Nesta hora o povo se levanta para entregar o que, ao menos supostamente, embora creiam com a santa fé, que ao Senhor pertença, mas como o combinado, fica com seu autonomeado representante até uma segunda ordem. Jonas apanha na carteira o quanto já havia reservado, por experiência, seu dízimo. Levantou-se, entrou na fila e entregou a quantia em mãos alheias. Sentou-se sentindo uma tímida repugnância em si, não por si, mas pelo que acabara de fazer.

Alguns minutos mais tarde, como também de costume, deu-se o segundo momento de ofertas e, percebendo novamente a andança, levantou-se como que mecanicamente após catar alguma coisa em sua leve carteira. Um incômodo, pelo constrangimento que sentiu, por ele e por todos, atravessou-lhe da planta dos pés aos fios de cabelo, os quais não eram lá muito privilegiados. Caminhou lentamente, pois a multidão apenas assim o permitira, e com os dentes trincados deitou a quantia juntamente às demais. Olhou o representante que recebia as ofertas com olhos bem abertos e sorriso igualmente sincero. Nosso confuso e agora nervoso protagonista retribui o gesto com um falso sorriso, o qual passou e passaria desapercebido por quem quer que fosse.

Depois, ao pensar na congregação entregando o que tinha, com seus olhos embotados de esperança e desespero, rostos cansados e corpos apenas sobrevivos, o ódio lhe tomou de assalto e antes mesmo da conclusão de um terceiro apelo, que mais parecia o anúncio de uma nova e imperdível promoção divina, ou ainda um grande investimento capital de retorno especulativo, porém quase garantido, ainda que do Procon ninguém se anunciasse, levantou-se do banco. O pastor, antes de sorrir confundindo seu gesto truculento com um ato de fé e boa vontade, ou seja, uma nova contribuição, percebeu os olhos enfurecidos de Jonas, que ainda começaria a distribuir palavrões, todos em sua direção. Os xingamentos e maldições proferidos coraram o pastor que, acreditava Jonas, era um mal intencionado.

Nosso querido e pacato irmão, tomado pela ira e, no melhor estilo demolidor, ou nas palavras do pastor, possuído, empurrava e afastava quem entrasse em seu caminho. Derrubando o púlpito e com seu punho em riste, partiu em direção ao amedrontado e indignado pastor. Porém, antes do golpe certeiro, uma meia dúzia de seguranças se amontoou sobre Jonas, encerrando seu breve sonho e o retirando do local. Qual também não foi sua má sorte, que o pastor, após o fim do culto, vendo Jonas preso em seu gabinete, irou-se e entregou o herege nas mãos dos seguranças, não sem antes enfiar seus sapatos violentamente no membro que se encontrava entre suas pernas.

No fim, nosso herói retornou para casa, bastante castigado e com sua ira dobrada, guardada agora, para o próximo domingo.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Os Sete Pecados Capitais: VAIDADE

Ela já estava quase pronta, fazendo os últimos ajustes, mas não resistiu. Pela terceira vez, desde a hora em que decidiram jantar fora, ela perguntou se aquela roupa a deixara gorda. Um tanto impaciente, achando a questão impertinente, porém com toda calma e delicadeza, a qual ela confundiria, duvidosa, com indiferença, ele responde o que ela gostaria de ouvir e que era o que ele justamente pensava. Eles saem para mais uma noite comum de sábado, que se findaria com uma também comum cena de sexo. Agora, se foi bom...

Ele acabara de completar 43 anos de idade; ela estava a poucos meses dos 37. Ele era alto, levemente calvo e convictamente barbudo. Possuía aquela famosa e pouco formosa, mas deveras proeminente barriguinha, o que não era bem o caso, mas fica assim, por compaixão do narrador. Nem um pouco desleixado, nem tampouco vaidoso; educado e sempre gentil. Alguns dos amigos mais chegados não sabiam como se entendiam tão bem. Ela, uma bela mulher que, por sinal, adorava desfilar seu corpo naturalmente, exceto pelas caminhadas, belo e conservado; vaidosa e insegura, embora mais para um do que para outro.

Há alguns meses se encontra demasiado desconfiada. Ele havia emagrecido, sem dietas. Chegava mais tarde que o comum, e dizia estar sempre num período de maior labuta no trabalho. De fato, estava. Vai saber mais aonde... Ainda assim, sua intuição, tão cara e feminina, cismava em lhe tentar, em lhe dizer sobre uma outra. De fato, havia. Triste ela ficou, porém não arrasada. Decidiu, antes de deprimir, que iria lutar pelo que era seu, ainda que fosse apenas para desdenhar e sentir o sabor agridoce da vingança. Bem, ela mal saberia em que iria desaguar tudo isso. Todavia ele devia deseja-la novamente e somente a ela, a quem de direito, ninguém mais.

Desta vez teve a vã certeza: estava envelhecendo, ficando feia e acabada, além dos quilos a mais, embora nada disso se desse a ver. Almejou outra vez ser linda, como aos 20, apaixonante e sedutora, apenas para ele. Por hoje bastaria. Matriculou-se na academia, onde assiduamente se exercitava de 2 a 3 horas diárias. Fez uso das despesas e abalou as economias domésticas, o que lhes sobejava. Esticou a pele, renovou os seios, talhou a cintura. Ficou nova, ao menos para ela. De certo, mais do que nunca os homens a cobiçaram, as mulheres a invejaram, embora sempre compareçam as exceções, as quais nunca são tão poucas assim. Enfim, o importante é que sua auto-estima inflou, mas nem tanto. Seu marido, justo ele, quase nada observou. Claro que notou e até mesmo elogiou, mesmo que quase da boca para fora. Reforçara o quanto achou desnecessário, justo ela, agraciadamente formosa.

Mas nada daquilo lhe descia o estômago. Após 3 dias buscando ratificar e, assim, legitimar a traição, usando de toda discrição ela o viu chegar as portas de um motel. Esperou um tanto, aguardando quem sairia do táxi que viera ao seu encontro. Se alguém ali estivesse, ela poderia apostar o quanto fosse que se tratava de uma menina, bem ninfeta, daquelas que o tempo e o corpo não retornam. Ela perderia. Para sua decepção, ou quase, mas definitivamente para sua confusão, a outra certamente jamais havia retirado as rugas, nem sequer, com todo aquele peso, adentrado uma academia, nem algo semelhante, muito menos se deteve em alguma revista de moda. Ali, os amantes se beijaram, rapidamente, em parte pela discrição, em parte pela pressa de chegar ao quarto e nas horas porvir, se perder. Ela, do lado de cá da rua, já estava.


Bruno Costa

sexta-feira, 26 de março de 2010

Moça bandida

Nasceu a tão esperada criança. De surpresa malograda, lá se foi a esperança de um macho que jamais viria. Menina linda, desde cedo despertava expectativas. Pouco depois e ainda cedo foi iniciada nos serviços de mulher, tornando-se moça. Encarnou desde então, dotes de uma amante, enlouquecendo e aquecendo seus conterrâneos. Amigos de escola, trabalhadores de oficina, desconhecidos, acamados, internados, vovôs enguiçados, as tiazinhas viúvas... foram muitos. Consolou viúvas, sorriu com viciados, inquietou os desquitados e também os casados; perdeu-se ainda com os errantes. Todos diziam que em toda a cidade nem meretriz houve com histórias semelhantes entre tantos lençóis. Era maldita na cidade, denunciava a fragilidade de famílias muito unidas, a inquietude das carolas, a carência das carochas, a impotência dos desterrados. Era motivo de chacota, de tapas e escarros, de pedras e porradas. Era ré dos crimes todos da cidade. Todo o inferno cabia em seu colo.
Certo dia um comandante, arrumado, letrado, ilustrado, armado e detentor de grande poderio militar, decidiu a velha história de Sodoma ressuscitar. Era tudo iniqüidade, hipocrisia, pilantragem, que a esta cidade lhe restara seu final. Todo mundo em polvorosa pranteava sua hora; nem seria necessária uma cova, pois o fogo deixaria apenas o fedor de enxofre. Todavia aquele temido homem tinha um calcanhar de Aquiles. Nem mesmo ele, do alto de seu coturno, resistiu à bela jovem. Desejou-a de imediato, em troca de uma trégua até pouco esvaída.
A cidade olhava a moça, implorando como quem pede perdão e, num coro fumegante lhe cantou em contrição. De vagabunda a redentora, ela jamais sonharia, ainda que com muita imaginação. Teria seu dia de rainha, tudo mudaria. Comovida e adornada pela vizinhança, contra seu desejo quase intolerante por linhos finos e barba demasiado feita, engoliu seco, depois engoliu um seco, um quente, e aceitou assim, a proposta indecorosa e obscena. Resistiu ao nojo e se entregou; o homem encharcado de suor a possuía com brutalidade. A cidade esperava e cochichava: “ela está acostumada”, “no fundo está realizada”. Mal se deu a alvorada e o homem se vestia, levando consigo a ameaça de bancarrota daquela cidade.
Respirando então, depois da noite sofrida, antes de estar de toda tranqüila, ainda lá dentro ouvia os ecos da cidade: “ela deve estar se achando”, “ela é uma atrevida”, “pensa que é uma deusa”, “nós não vamos nos curvar”, “nunca iremos perdoa-la”, ”um acerto não lhe susterá os pecados”. Sua paz já lhe escapava, porque é hora e seus vizinhos não demoram. Era novamente o mau e o fel daquela gente.


Bruno Costa

PS1: Texto inspirado na música "Geni e o Zepelim", de Chico Buarque.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Processos

Já fui um mesmo que todos. Cópia da cópia. Massa. Era um "o" em cada qual, em cada tanto. Eterna repetição. Bajulava, empolgado, o estandarte da ilusão, sonhando acordado com um abastado desejo de congratulação. Ele me levaria alto, levaria longe. Lá onde tudo é igual, onde tudo é também. Nessa vida onde tudo é meio, sem primeiro nem derradeiro.
Já fui o mesmo de outros poucos. Cara contra coroa; o lado oposto, o antagônico. Fiz da chuva o sol e da alegria minha desgraça. O manto que me adornara se desfez na fogueira do mundo vermelho. Ali, vi virtude em quem exibia chagas. Calei a mentira e olhei admirado a nova verdade, empunhando sua bandeira, tão minha, tão vindoura, distinta e perfumada como a nova Canaã. Nessa vida onde tudo é meio, sem aurora nem crepúsculo.
Já fui uns tantos, um desconstrutor. Com a força de um martelo emprestado, rachei os metais; inverti o lado e rasguei a bandeira. Entendi toda a verdade, mas não acreditei nela. Permaneci cético. Quis lhe derrubar a face, presenciar e multiplicar sua ruína. Tentei ferir o senso comum, o cálculo científico e a lógica metafísica. Percorreria estradas, invadiria fortalezas e meu retorno precederia os aplausos. Ainda havia um lugar para habitar. Nessa vida onde tudo é meio, sem desfecho nem largada.
Ainda sou um outro, ou vários ainda. Desfilando nos sarais de Dionísio; encontro abrigo no caos, para o caos. Aqueles pedem uma nota. Não dou. Tentam uma emboscada. Traço uma rota de fuga. Então, eles forjam uma passagem. Permaneço. Deixam-me. Na solidão eu vivo um sorriso, talvez dos que pensam que sou melancólico. “É muito pouco”, penso. Mas não proponho aclarar. Isolado como pária, peregrino errante; nômade como tantos outros que fui. E o tempo teima em abrir-se. Dou meu aval, embora ele não careça. Nessa vida onde tudo é meio, sem início nem fim...

Bruno Costa