tag:blogger.com,1999:blog-11597551834001544552024-03-13T01:52:18.573-03:00ATRAVESSAMENTOS"Eis que a carne se faz verbo"Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.comBlogger46125tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-18143629309446309962015-02-11T01:59:00.001-02:002015-02-11T02:04:37.826-02:00Hasta la victoria<div style="background: white; margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Garamond","serif"; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans Unicode"; mso-bidi-font-size: 10.5pt;">A porta do armário está entreaberta,
sugerindo apenas uma sombra negra. Ao lado, os lençóis estão embaralhados numa
cama ainda por fazer, sem travesseiros. Ele olha por todos os cantos, fareja o
ar insistentemente. Talvez sinta algum perfume, talvez procure um. Desvia de
alguns cabides pelo chão, não são muitos. Na escrivaninha, a gaveta aberta não
traz nada além de duas canetas sem tampa, um lápis, um papel amassado e uma
caneca minúscula, onde se pode ler <i>Hasta
la victoria siempre/Havana</i>. Vai até o banheiro, de basculante fechado e
chão úmido, com algumas gotas de água. Ele cheira aquelas gotas e lambe as
pequenas poças que se formaram dentro do boxe. No meio do corredor um par de
chinelos velhos e amarelados – quem sabe um dia fora branco? Diante dos
chinelos ele se detém, mordisca um dos pés e o carrega por apenas três passos. <o:p></o:p></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Garamond","serif"; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans Unicode"; mso-bidi-font-size: 10.5pt;">Então começa a perambular pela casa, do
corredor para a cozinha, da cozinha para a área de serviço, de volta para a
cozinha e de lá para a sala. Vai até a porta, arranha, bate, faz força, mas não
consegue nada além de lhe descascar alguma tinta. Resmunga qualquer coisa
ininteligível. Começa a chorar. Primeiro discretamente. Logo em seguida aumenta
o volume. Algum vizinho próximo poderia ouvi-lo em seu aparente infortúnio,
barulhento a esta altura. Ele volta para o quarto. Prefere se acomodar na cama,
atracado com os lençóis, revirando-se de um lado para o outro, bagunçando a
manhã sem companhia. A janela aberta permite a entrada de uma ventania que o
faz parar por um instante. Imóvel, quase fecha os olhos, cessa a reviravolta e
também os resmungos. Está de barriga para cima, com seu sexo exposto.
Levanta-se, vagarosamente vai até a beirada da cama, olha para baixo e retorna
até a cabeceira. Cheira de perto, bem perto, e lambe a madeira
ininterruptamente. <o:p></o:p></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Garamond","serif"; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans Unicode"; mso-bidi-font-size: 10.5pt;">Dentro de casa, apenas o som de seus
movimentos. Fica na sala, sentado ao lado da porta, ouvindo o tique-taque do
relógio. Boceja, deita-se, troca de posição por diversas vezes. Levanta-se,
espreguiça o corpo com a traseira para o alto ao mesmo tempo em que boceja,
deixando escapar um grunhido agudo, mas baixo. Sobe no sofá e se deita. Após
alguns latidos pela vizinhança, rapidamente vai até a janela fechada de vidros
canelados e se debruça. Os raios de sol incidem diretamente onde está. Desce e
segue até um pote azul ao chão da cozinha, onde bebe bastante água, deixando
escorrer um pouco até seu peito. Próximo ao pé da mesa vê um montinho de ração
com restos de comida. Cheira, lambe e come uns bocados. <o:p></o:p></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Garamond","serif"; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans Unicode"; mso-bidi-font-size: 10.5pt;">No banheiro, adentra o boxe e urina
longamente, enquanto o líquido escorre em sua própria direção. A porta da sala
se abre. Ele corre até lá e late incessantemente para alguém no escuro. A luz
da sala é acesa. Um velho caminha até a estante da TV e apanha um papel dobrado
sob um jornal, onde a manchete noticia a “ofensiva de militares aos comunistas”;
o homem desdobra o papel, lê, amassa e joga ao chão. Ele acompanha o velho até
a cozinha, latindo menos, cheirando-o mais. O velho retorna com um saco grande
de ração em mãos e abre a porta da sala. Ele fica sentado ao chão, de orelhas
empinadas enquanto o homem fala qualquer coisa. A porta ainda está aberta, a
luz apagada e o velho, já ao lado de fora, assobia uma única vez. Embora
abanando o rabo, sai lentamente ao seu encontro. <o:p></o:p></span></div>
Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-19105301537678456802013-03-11T01:12:00.001-03:002013-03-11T01:12:56.686-03:00O Futuro do PretéritoGalera!<br />
<br />
Esta postagem não tratará de mais um conto literário. Antes, buscará se redimir pela crescente ausência de contos publicados. Não abandonei o blog, nem tampouco perdi o gosto pela escrita. Esta publicação é o motivo que me afastou do blog por tanto tempo, muito mais do que gostaria. Trata-se de minha dissertação de mestrado, intitulada<i> "O Futuro do Pretérito: a experiência da memória como criação", </i>escrita ao longo dos dois anos do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Memória Social, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Publiquei-a como livro no site: https://www.clubedeautores.com.br/<br />
<br />
A quem interessar, basta acessar pelo link;<br />
<br />
<a href="https://www.clubedeautores.com.br/book/141742--O_FUTURO_DO_PRETERITO"><img alt="Compre aqui o livro 'O FUTURO DO PRETÉRITO'" src="//s3.amazonaws.com/media.clubedeautores.com.br/assets/share/clubedeautores_promote_5.jpg" /></a><br />
<br />
No site, além do resumo, você pode ler um trecho inicial.<br />
Enfim, espero que gostem!<br />
<br />
Abraços!<br />
<br />
<br />
<br />Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-87677544374039835052012-08-13T02:29:00.001-03:002012-08-13T02:29:01.996-03:00Sobre quando nasce o pai<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Saíra
de casa tranquilamente naquela manhã de sábado, bocejando ainda o sono de toda
uma semana de trabalho, qual o descanso não levara por completo. A vida dos
engenheiros não é fácil, não são poucos os cálculos certeiros, as lógicas
matemáticas, os funcionamentos mecânicos, a educação das máquinas, como
tampouco o são as responsabilidades pelos efeitos e as discussões das
quartas-feiras. Tudo para ao final do mês, com um quinhão não tão generoso,
ouvir os comentários dos familiares ao comprar pouco mais que o pão e o leite,
“este tem sorte”, “nasceu com a bunda virada para a lua”. Sabemos como é
difícil de esquecer e todos se relembram mutuamente: “a culpa é sua pelo fracasso,
a sorte é a responsável pelo sucesso”. Mas não perdendo de todo o fio da meada,
retornemos ao moço que saíra em plena manhã de sol do sétimo dia para cumprir
outra tarefa, desta vez missão dada por uma patroa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Com
um bebê em seus braços, despedira-se já ao lado de fora, ajeitando como pôde a
boina da criança, sem deixar cair, claro está, a bolsa com duas fraldas extras,
uma mamadeira com água, talco, entre outras pequenas coisas que provavelmente
não usará e as quais, é preciso dizer, não fora ele o responsável por colocar
na bolsa. Caminha sob a sombra até o ponto de ônibus e com mais destreza que o
esperado, entra, paga e encontra assento com os passos lógicos, conhecimento
profissional que trouxera para a vida. Ossos do ofício. Descera em frente ao
posto médico e a provação viera de início: a fila. A paciência não é lá uma das
qualidades deste homem da praticidade, como logo notará aquele que encarar este
mulato de barbas negras e sobrancelhas grossas, no momento um tanto
mal-encarado. Nem diríamos que sua profissão lhe exige serenidade, mas a
vida...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Pensara
duas, três, quatro ou cinco vezes antes de esbravejar com a criança no colo.
Não o fez. Engoliu o ocaso da saúde pública porque assim fora necessário. A
função de pai transforma mais do que um dia se pôde imaginar. Resolvera que o
melhor seria ser pai naquela fila mesmo, sem tempo a perder. Fez de tudo um
pouco: girou, levantou, fez-se garupa, sorrira falsamente para ver em seu filho
o sorriso mais sincero. Acabou por gargalhar junto ao filho, sem saber que o
mesmo o fizera para seu pai sorrir inocentemente. Ser pai parecera tão
maravilhoso que a fila já não existia e a hora era chegada. Assustara-se junto
da criança ao ver o choro barulhento dos que saíam das pequenas salas brancas.
Foi o primeiro momento sublime. Temera o choro do filho. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Soubera
desde o início, pois assim o dissera sua mãe e seu sogro, que nem sempre os
pais livrariam seus filhos de um sofrimento qualquer. Porém, entre o saber e o
sentir existe um abismo escancarado. Esquecera; disso todos esquecem. Logo era
chegada sua vez, qual Abraão a entregar Isaac ao sacrifício, aguardara com fé
de transportar montanhas que o anjo dos céus viesse em seu socorro, trazendo em
lugar de seringa e agulha, apenas as famosas gotinhas, tão fáceis de engolir. O
anjo não chegara a tempo, passaria futuramente, apenas nos próximos anos. Longe
demais, distante demais. Seu filho já não está em poder de seus braços, é agora
levado pela moça de branco, olhando para trás, olhos nos olhos, fitando seu pai
com as lágrimas descendo a fio pelos olhos tristes que imploram socorro. O pai
da provisão se vê sem consolo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Sem
perceber, está a chorar as lágrimas do filho. Não sentira a agulha lhe furar a
pele e nem jamais sentirá pelo filho. Nem a primeira fratura, nem as dores de
cabeça, sequer a bolada do futebol que ele ainda nem pode jogar. Ainda assim os
olhos umedecem. Como que torcendo pelo fim de uma longa e delicada cirurgia,
espera ao lado de fora os segundos passarem como horas. Chorou as lágrimas
mesmas que o filho chorara; sentira a angústia, a tristeza, sentira a vida
levar tudo em seu rumo maior. Naquele momento, sem saber, mas sentindo na pele
como jamais imaginaria, transcendeu a máxima divina e amou aquele pequeno outro
mais que a si mesmo. Soubera então que era pai, mesmo sem ponderar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Chegara
em casa e não se podia saber quem havia tido a pele perfurada. A tristeza no
semblante era flagrante. A mãe, preocupada, perguntara se algo de errado havia
acontecido durante a saga, embora desconfiasse por experiência própria sobre o
ocorrido. Ela não estava errada. Já com o filho em mãos, a mulher logo lhe
desembrulhou um doce qualquer e a alegria estava de volta. Entretanto, não para
todos. O jovem pai ainda carregaria aquela tristeza por mais alguns minutos. Se
a mãe sofre e amadurece por nove meses, este barbudo merece mais algumas horas
para encarar a grande jornada do resto de sua vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: right; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><i>Bruno Costa</i></span></div>
Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-13231360465332609742012-05-14T01:25:00.001-03:002012-05-14T01:35:03.722-03:00'UMA PARTE DE MIM É MULTIDÃO"<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">"Não me pergunte quem eu sou e não me peça para permanecer o mesmo"</span></span></span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;"><span style="color: #38761d;">
</span></span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d;"></span></div>
</div>
<span style="color: #38761d;">
</span></span><span style="color: #38761d;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d;"></span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Foucault já nos aponta que a mudança é o que talvez devesse ser eterno</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Não quero ser conhecida pelos feitos constantes, pelas características rotineiras</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Uma parte de mim se espanta, assusto-me com coisa pouca, sim assusto-me!</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Dialogo com o medo, com o exagero, com receios que não me cabem</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Visível é essa fala atropelada que por vezes me sufoca, </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;">Mas uma</span></span><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;"> parte de mim também é silêncio, e que isso não vá de encontro ao que eu supostamente "deveria ser".</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Ousadia... pode ser talvez levar meus passos a outras ruas, talvez um pouco distante daquelas que já bem conhecem. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;">É que a</span></span><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;">s vezes é preciso dar face ao novo e</span></span><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;"> lembrar que o seguro, um dia já não foi.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">A construção é algo repentino e constante</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Não me preocupar com os atributos que me conceituam</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;">Mas deixar que a brisa passe e me acalme, ou que por vezes passe a tempestade, e</span></span><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 18px;"> eu saiba me conduzir nela.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Não quero saber o conhecido, sempre.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Nem ter compromisso com a identidade.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">O movimento é o que conduz... e por que não... seduz?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">A falta dele é o que pode nos manter em lugares sufocantes.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;">Não quero coerências... q</span></span><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 18px;">uero reticências</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Talvez um pouco de coerência hoje, ou quem sabe amanhã</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Mas, com certeza, não sempre</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Que as satisfações não aclamem o seguro</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">Não nos defina, não nos paralise.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d;"></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="color: #38761d; line-height: 18px;">E que o fluxo nos passe e por que não, de vez em quando nos leve...</span></span><br />
<br />
<br /></div>Joyce Abbadehttp://www.blogger.com/profile/09950575633812214508noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-47664392764116828092012-04-27T00:30:00.000-03:002012-04-27T00:30:20.101-03:00UM POUCO DE MIM<div style="text-align: justify;">
Estranho quando me chega esta sensação. Talvez seja até engraçado. Acontece que, se um corpo explode, o que está dentro sai e o corpo morre. O que acontece quando explode a alma? Ela morre? Se assim é, já não tem graça, de modo algum teria. Se não, além de engraçado, é também curioso. De quando em quando, sem saber como e vestindo a culpa no acaso, alguma intensidade distinta faz o corpo vibrar. De dentro para fora, de fora para dentro. Cada órgão vibra. A alma vibra. O embrolho é quando custa o fim. A alma transborda. Não há pele que a detenha, não há estômago que lhe embrulhe, não há coração que lhe fustigue, nem mesmo cérebro a prendê-la. Este sequer entende o que se passa. Quando muito vê. Daí ela sai e vai embora. Não pelos orifícios. Deixa para trás os olfatos gastos para cheirar perfumes outros. Esvai-se por todos os poros.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda a vê, mesmo moribundo, apenas corpo, apenas olhos, o recém-zumbi. Somente o registro frio e desalmado. Ainda a vê individuar-se numa peça de roupa qualquer. É o que se tem mais próximo, geralmente. Daí, visto-a. Logo, não é mais o corpo que contém a alma, mas a alma quem detém o corpo. Talvez por isso se chamem uns aos outros de mascarados. Por vezes vestimos alma, mesmo não sendo para muitos, que fique claro. Terrível ou divertido? E se empresto a alguém, um amigo ou necessitado de momento? Tornar-se-ia, aquele que a usa, pele dentre almas.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Contudo, noutras vezes transbordo em copo. Pegam-me a encher; a traspassar meus limites. Bebem não a mim, mas em mim. Outras quantas vezes me deixam cair. Quebram-me. Passo a ser estilhaços. Julgam-me perigoso. Ainda pouco era a honra de sentir outras bocas a me conterem. Agora, um embrulho renegado. As vezes encarno facas, embora não ache nada prudente uma faca "almada". Já fui formiga. Apenas uma vez. O tempo não correu muito até ser esmagado. Estava demasiado próximo ao corpo de origem. Logo, logo fui chinelo. Era rotina ser pisado. Fui também onda cibernética. Viajei tão velozmente, tão velozmente que senti náuseas. Mas fui útil. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Já me transbordei em água. Pouca água. Fui engolido. Naquela experiência inusitada, adentrei um corpo por lugares distintos. Em nenhuma das tantas vezes me encontrei com outra alma. Agora, fiz-me palavra. Ou fizeram-me. Não sei. Sei que o corpo que me escrevia, corpo que me criava, era morto. Morto-vivo. Talvez fosse o meu de origem. Importa muito pouco agora. Quando falo origem, é como o mundo, numa explosão. De lá surgi. Ao contrário de Clarice, incorporo palavra escrita apenas quando o corpo está morto. Assim passo, como agora. Tudo isso para já não ser daqui um pouco. É o tempo que dura a melhor das vidas, a proliferar-me sem fim, bastando uma leitura. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Quando retorno ao que chamo corpo de origem, casa de passagem, jamais estou mais forte. Qual romantismo fajuto! Ainda, até hoje, jamais descobri antropofagias. Acontece sempre o contrário. Retorno mais ralo; encarno um corpo mais leve. Algo fica no caminho. Desconfio que se tenha um pouco de mim na água que se bebe. Um pouco de mim nas roupas rasgadas. No chinelo gasto, na faca cega, no bicho esmagado. Tem um pouco de minh'alma nas palavras escritas. Apenas um bocado. No mais, são outras as almas das letras, perdidas, que eventualmente se encontram e fundem aqui e ali, como agora. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Ainda não sei. Engraçado ou terrível? Drama ou alegria? Nada posso concluir dessas tragédias. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Tragédia!</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-80308236600490637772012-03-21T22:26:00.001-03:002012-04-03T00:32:15.260-03:00NOS BURACOS DO TEMPO - final<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A ansiada noite é chegada e Rodolfo está pronto como quem vai para um encontro, de banho tomado e com direito à perfume importado, tomado do armário de seu pai, o qual não se deu pelo empréstimo, devidamente distribuído pelos pulsos e pelas laterais do pescoço, pouco abaixo das orelhas, meticulosamente. Veste também sua roupa mais nova e conta ainda com uma blusa inédita. Parece esquecer, com ajuda da altivez que assola a todos em algum momento, que em tudo correndo nos conformes de sua vontade, nada sua "parceira" recordaria do encontro à um, se me permitem elucidar a impossibilidade, acreditando, especialmente a partir de agora, que o que não há passa a haver no momento em que se diz, ou no momento em que se faz, embora de naturezas diferentes, as palavras podem dar sentido às coisas, ou ainda, não nos custa arriscar, trazê-las a existência.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Trancado em seu quarto e se esforçando, escondido por debaixo das cobertas e torcendo compenetradamente para não receber uma indesejada visita dos pais, já sua pela expectativa do encontro, sua pelo medo ao flagrante. E toda sua diligência em encenar o ritual do sono foi recompensado. A casa em silêncio recebera os olhares escondidos de Rodolfo, confirmando o recolhimento de sues progenitores, por apenas uma fresta de porta aberta, o que já não nos é segredo, é a especialidade do menino ou mesmo um talento inato de adolescentes. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Qual não foi sua frustração ao se dar conta dos já passados cento e vinte minutos desde que começara o ato de espionagem sem que a espionada houvesse aparecido no lugar de sempre e com a desatenção de sempre, às suas vistas. Pusera-se a pensar em sua desilusão e em qual seria o motivo, até que sua parede revela um calendário, estampado do melhor de Alfred Hitchcock, a lhe denunciar a sexta-feira presente, dia em que costumeiramente não a via chegar em casa, quanto menos no horário pretendido. Recolhera-se a espera do sono, talvez a única visita possível, não sem antes despir-se das roupas do desencontro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">No dia seguinte, com a ansiedade lançada para a próxima semana, foi-se à busca de mais alguns dvds para sua extensa coleção, numa loja mais próxima ao centro da cidade. Adentrou o ônibus e pôs a vida a correr pelos passados das tão inusitadas últimas cenas. Lembrou também da noite anterior e pensou em como a vida era soberba. Carregava em sua natureza, falamos da vida, uma vontade própria, a qual sempre buscara e buscará afirmar e que, grosso modo, para não nos alongarmos, consiste em nos decepcionar. Não por mal, mas porque sua força desconhece leis, não respeita regras morais e não se compraz em nossos planos. Ele odiou a anarquia do acaso com um ódio adolescente. Odiou a si mesmo por não ter percebido tudo enquanto era tempo. Odiou o futuro pela incerteza em poder viver naquele buraco de tempo mais tempo, numa outra vez que fosse. Odiou a razão, ou seus limites, por não ter a certeza de tudo aquilo que pensara. Ocorreu-lhe ainda, antes de chegar a seu ponto, que todo seu pensamento era ódio. Esqueceu-se apenas em como era transitório, o pensamento, quanto mais quando se tem menos idade. </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Atento ao semáforo que o separa da calçada de destino, atravessa quando de direito, juntamente com uma senhora de mãos dadas a uma criança sonolenta e, em fluxo contrário, um casal de adultos que parece vir do local para onde vai. As ruas estão quase desabitadas se as compararmos aos dias de trabalho. Um sábado mais parece o dia após a extinção. Rodolfo ainda está sobre a faixa de pedestres quando paralisa, perde os sentidos, sem desfalecer, porém com sua atividade cerebral pausada. Sem cair, seus olhos não se fecham e seu pulmão não se contrai. É Rodolfo quem parece imóvel no tempo. Seu relógio de pulso está estático, como se sua bateria houvesse esgotado as energias, marcando dez horas e dez minutos. Assim permanece no tempo, durante o tempo em que uma menina se aproxima. Tudo dura pouco até ela partir. Pouco? Qual noção de tempo... A cada um o que se experimenta dele. </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Rodolfo retoma a caminhada ao ritmo de seu relógio que voltara a funcionar. Sua pele está arrepiada, leve calafrio que lhe perpassa sem vestígios. Envolto neste mistério dermatológico, chega até a calçada de destino. Dali mesmo, avista o relógio do edifício central, rachado, como constata intrigado. Seus ponteiros não estão presos ao eixo central. Saindo pela tangente, tal qual alguém que foge a missão destinada, o ponteiro dos minutos está atravessado no vidro, uma metade para dentro, outra para fora; o dos segundos caíra sobre a base; o das horas é o único que permanecera fixado ao eixo, muito embora não funcione como deveria: pendurado está como um sino de catedral, completamente mudo.</span></div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com23tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-89026680382218473342011-12-13T02:22:00.005-02:002011-12-14T01:02:52.052-02:00NOS BURACOS DO TEMPO - parte 2<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="font-family: Garamond; font-size: 13.0pt; line-height: 115%;">O que talvez
primeiramente nos passe desapercebido é justamente, ou melhor ainda, é
crucialmente o que nos dará algum sentido ao episódio narrado, fazendo quem
sabe, saltar dele algo do que ainda não se viu, mas que parece ligeiramente
oculto na história clichê do adolescente. Supostamente todos já fizeram algo
parecido ao que faz nosso Rodolfo, ou quando não, quiseram muito fazer e não
fizeram por serem por demais perigosas as circunstâncias ou em outros casos,
por serem muito contundentes os batimentos cardíacos e muito intenso o frio no
estômago. Há ainda os casos daqueles que foram vítimas dos espiões e ainda os
que apenas ouviram essas peripécias pela vizinhança. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="font-family: Garamond; font-size: 13.0pt; line-height: 115%;">Por outro lado,
sempre houveram as descuidadas ou as maliciosas, fazendo-lhes conforme a
vontade e ao direito de se trocarem ou se despirem sem vergonhas e como
quizessem dentro de seus próprios lares. Mas no ato de Aline há o que nem
sequer o menino espião foi capaz de se dar conta, ou talvez tenha percebido
perifericamente, sem desperdiçar detalhadas atenções com coisas fora do
primeiro plano, o qual sabemos muito bem qual é. Sabemos mesmo que é um tanto
quanto comum pararmos por alguns segundos numa mesma posição, como que
abdusidos por algo que parece totalmente fora de um dado encontro, de um dado momento,
porém mesmo sem pesquisas de campo, arriscamo-nos concluir que esses momentos
de congelamento duram apenas alguns segundos, dificilmente chegando a completar
sessenta deles. Entretanto, não nos custa repetir que a moça permanecera numa
mesma posição, sem qualquer movimento visível, por longos minutos. O que de
muito contém este detalhe não se sabe, embora possam estar curiosos alguns.
Esperamos que no desenrolar dos acontecimentos vindouros se possa arejar a
dúvida, mesmo porque, responde-la simplesmente, seria demasiada arrogância. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="font-family: Garamond; font-size: 13.0pt; line-height: 115%;">Ali em frente a
janela, espreitando por entre a persiana, Rodolfo percebe algumas sombras
também estáticas, mas nada, nada é capaz de lhe roubar o foco até o momento de
seu ápice e consequente rápido declive. A menina segue seu ritual e já com seu <i>baby doll</i>, fecha a janela, momento em
que também Rodolfo se recolhe e vai para cama, assim como sua deusa vizinha, crendo
ele, com sua fé tortuosa, mas paradoxalmente como um bom fiel, que sua
divindade não o olha o suficiente, quem sabe até chegando a tal ponto, que
disparate, de desconhecer sua existência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="font-family: Garamond; font-size: 13.0pt; line-height: 115%;">Amanhece o dia e
a primeira atitude pensada do rapaz é a de abrir a persiana e após ela a
janela, e se pôr a olhar um pouco mais despreocupadamente o quarto de Aline,
cujas janelas abertas mostram sua ausência, como já previa Rodolfo. De férias,
o bom aluno decide ver um filme, daqueles bem antigos e ainda em vídeo cassete,
atitude “retrô” ocasionada por não o ter encontrado <st1:personname productid="em dvd. Sentado" w:st="on">em dvd. Sentado</st1:personname> na sala,
desfrutando as frutas do café da manhã, pausa e despausa a película por
inúmeras vezes, volta cenas, as revê em câmera lenta. Ali é o dono do tempo, o
deus das vidas que desfilam sem lhes saber o que o futuro as reserva. Ele, ao
contrário, já o sabe. Vê o tempo não como os personagens o vêem, passado,
presente, futuro, uns após outros, mas sim como num plano eterno cujo o
desenrolar é uma imagem apenas, cíclica e longa. Em sua poltrona confortável,
esparramado entre almofadas de pano frio, viaja para algo maior ao ver em
câmera lenta uma cena. “Será que o tempo da gente, da vida real, não é como o
do filme? Mesmo que não haja alguém para vê-la, a imagem não é mais aberta e
arredondada que uma linha reta, como imaginamos?” Dali ao segundo seguinte é um
espanto! Saltando do sofá e atirando involuntariamente por todos os lados as
almofadas de pano frio, ele pensa audaciosamente se o tempo da vida real não é
espaçado tal qual num filme. Pois sim, onde nossos olhos enxergam uma
continuidade por entre um acontecimento e outro, como que costurados, não
seriam eles limitados e um tanto lentos para perceberem os espaços vazios entre
um instante e outro. E se, naquele momento de espião, onde Aline se detém por
um tempo longo demais e as sombras não se movem, não estivera ele justamente
num dos buracos do tempo real?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Garamond; font-size: 13pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right; text-indent: 36pt;">
<span style="font-family: Garamond; font-size: 13pt; line-height: 115%;">(CONTINUA...)</span></div>
<br />Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com38tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-47989405050072990512011-11-29T14:40:00.001-02:002011-11-30T14:30:38.300-02:00NOS BURACOS DO TEMPO - parte 1<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">O
tempo avança e com tamanha simplicidade faz correr os fatos uns após outros, concatenados
estes, rumando o minuto seguinte. O silêncio de seu quarto parece suspenso do resto
do mundo, distante e diferente da programação muda que segue na televisão que separa o breu do quarto de Rodolfo. Acabam as
notícias tristes, emendam-se os humorísticos e logo a seguir vêm os
comentários do futebol com os gols da rodada e mais uns “quem sabe?” de comentários
e especulações. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Já faz
quase duas horas que o garoto foi para a cama, dentre as quais uns cinquenta minutos
que sua mãe se convencera que ele já dorme e mais uns trinta que dormira ela
mesma. Fora isso, há quinze minutos, percebera Rodolfo que a semana é quase
igual à passada. Ele aguarda a chegada de sua vizinha, abençoadamente desanteciosa,
que costuma chegar tarde da faculdade, sedenta por um banho que lave a canseira
do dia, talvez apenas menos ávida que Rodolfo, que por vezes tem seus dias
salvos por esses banhos de Betsabá. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">De sua
janela, estrategicamente dissimulada com sua persiana quase fechada por inteiro, afora por uma fresta na medida do globo ocular, não é possível ver o que se passa no
banheiro de Aline – a vizinha –, mais precisamente embaixo do chuveiro. Ele espera
pacientemente o tempo que leva o banho, somado a uns quantos minutos em que não
sabe o que se passa, embora pense que seja o tempo de esfoliantes ou loções, esquecendo-se
que a jovem da frente tem também suas necessidades fisiológicas por lá, as
quais não detalharemos aqui por ausência demasiada de conveniência, imaginando também
que isso interessaria ainda menos a um menino em plena puberdade. Nem todas as
verdades merecem ser ditas, melhor seria imaginar outras ilusões, tal qual um
menino de quinze anos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">O ciclo
se repete como o próprio Rodolfo reparara. Ela entra em seu quarto e tranca a
porta, pouco se importando com seu espaço de janela aberta, que é pouco, seja
dito, mas que a tudo não esconde. Acende a luz do banheiro, vigiada por Rodolfo
que, de cá, percebe pelo basculante a claridade se espalhar. Desliga sua televisão, sabendo bem, apesar da tenra idade, que o triunfo daquele que vigia está também em se converter em invisível. Ela retorna
rapidamente ao quarto, já sem a blusa, ainda com sua saia longa e seu sutiã que
a cobre. Apaga a luz do quarto e retorna ao banheiro, mais precisamente sua
suíte. Ele percebe, após alguns instantes, uma breve queda de energia pela luz
que se enfraquece e que dura o tempo em que se da o banho, pelo menos são as
conclusões do menino, somado ao vidro embaçado rapidamente e, para constar, não
é preciso ser tão inteligente para saber que ele não estava errado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Aproxima-se
o momento mais aguardado do dia. Rodolfo o desfruta lentamente, já tem alguma
experiência na cena, como quando desembrulhava seus presentes de criança,
calmamente, na certeza de uma alegria próxima. Ao retornar ao quarto, aparece
mais próxima a sua própria janela, lugar onde talvez esteja sua cômoda onde
guarda sua camisola. Ele a vê da cintura para cima, nunca soube se estaria nua
dali para baixo. Os seios completamente desnudos o hipnotizam, formando uma
paisagem com seus cabelos curtos e bagunçados, poucos centímetros acima dos
ombros. Ali ela fica, meio de lado, meio de frente, com os seios à mostra num
ângulo de quarenta e cinco graus. Está completamente estática e assim permanece alguns longos minutos.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;"><br /></span><br />
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">(CONTINUA...)</span></div>
</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com41tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-86356985026620824652011-11-06T02:14:00.003-02:002011-11-06T02:15:57.973-02:00UMA LOUCURA AVULSA<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Lá vai
ele novamente com seus pés calçados, ainda que levemente enlameados por conta
das chuvas dos últimos dias. Fechou o portão sem me perguntar se era meu
intento acompanhá-lo. Já não sei se me ignora de fato ou se a indiferença já o
lançou a outras modas. O que em mim arde e me sufoca é seu silencio incisivo. Logo
ele que sempre falou tão alto; logo nós que sempre fizemos tanto barulho juntos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Naqueles
tempos havia prantos, sofrimentos, melancolias. Porém, hoje a mediocridade lhe
sobra e seus sorrisos não passam de cumprimentos e convenções. Quase lhe bato nos ombros, mas não posso
mais tocá-lo. Quero levitar a cama e deixá-lo cair do alto, mas não tenho mais
forças. </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Garamond, serif; font-size: 17px; line-height: 19px;">Sigo sozinho,
com ele a frente, bato o pé, o único que me resta, pois o direito já me
desapareceu há umas tantas semanas. A dor de não ser real é a que me visita; não
tenho sangue, nem nunca tive. Não sou um zumbi, não me confunda. Tinha apenas
com ele, mas não ardia.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Ele segue
a rua anoitecida, deserta </span><span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">–</span><span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;"> já disse que chove? Pouco. Seu cabelo bem
ornamentado ganha um tom orvalhado das gotas que não escorrem e teimam em não se
diluírem por entre os fios negros. Sua roupa simetricamente sóbria e seu cheiro
de banho recente quase o tornam outro. Sua sacola preta nunca mais carregou os
sonhos chamados impossíveis que eu lhe dava para juntos subverte-los. Guardava-os tão cuidadosamente. Vivia-os tão irresponsavelmente.
Ele e eu, pela selva, pelos ares. Juntos de tantos outros. Às vezes outros
demais. Os agentes, os teletransportados, os alienígenas, as escaladas à Torre Eiffel,
os cochilos nas pirâmides do Egito. Deitara ao lixo, tempos desses, uns quantos
pedaços de outro planeta que descobrimos numa viagem. Agora, na sacola preta de
plástico, seguem apenas alguns filmes de bombas e explosões, dessas imagens fantásticas
que nos fazem ver passivamente, sentados ao sofá, e que devolverá a locadora.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Ponho-me
do outro lado da rua, mas seu caminhar é reto e estreito, de modo que seu olhar
não lança luz sobre minhas piruetas. Passo em sua frente e sequer uma trombada se
faz possível. Colocar-me-ia a voltar até sua casa e pôr fogo em tudo. Queimaria
sua identidade. Mudaria os números dela. Abriria a tampa do vaso sanitário e
poria abaixo toda aquela sanidade encapsulada e comprimida. Esfregá-los-ia até
ao pó cano adentro com a descarga. Nada disso posso. Sou como um anjo da guarda
que circunda e rodeia um homem, embora proteção não seja meu ofício. Posso
estar apenas onde ele está. Existir, quando muito, apenas em ele me permitir.
Pensando bem, parece que sou mesmo um zumbi, embora pareça não lhe fazer
qualquer zumbido. Sou uma senhorinha buscando ganhar a vida com o corpo em
plena Hollywood. Não o seduzo mais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Não me
vê. Não me sente o cheiro. Não exalo fragrância, mas há um cheiro. Agora se
refere a mim como “delírio”, mas não suporto meu novo nome. “Não o tenho mais”,
diz a quem se preocupa. Preferia “Raul”, pois assim me apresentei e assim me
aceitou de pronto. Fiz de tudo um tanto e já passou do ponto de uma birra de imaginação mimada. Malabarismos com seus eletrodomésticos, levitação em
frente à TV, meu preferido, diga-se de passagem. Mostrei o rosto em fumaça de café e fiz castelos animados de batatas-palha. Coube até em bolso de camisa
para não ser abandonado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Perdi forças
sem estar velho. Quem me visse, caso fosse possível alguém ver a imaginação de outrem,
olha que desconfio que fui motivo de risos para algumas crianças e até
adultos, orgulho-me disso, claro fique, embora pareça invasão de privacidade,
ou seria invasão de insanidade alheia, ainda que no fundo, no fundo, sejamos de
quem olhar primeiro, ou até por último ora, o importante é sobreviver, enfim,
não me dariam mais que 30 anos. Desculpem, ando demasiado fugidio neste parágrafo. Tenho
a mesma idade desde sempre. Idade nenhuma. Sou corpo sem pele. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Até suicídio
simulei, com ares de um suspense assustador de Hitchcock em alguns, noutras com
as cores vermelhas da brutalidade visceral de Tarantino. Algumas vezes morri. Viu-me
raras vezes em tudo. Nada além de sombras, quando muito retumbâncias. Era feliz
e não sabia; vivia ainda. A última vez de que tive notícias de seu olhar foi ao
atravessar uma densa avenida. Seus olhos brilharam, arrepiou-se a pele do
coitado, não mais que cinco míseros e incontáveis segundos. Esboçou imediatamente
um movimento com seu braço direito, o mais próximo a mim. Seus joelhos
levemente se inclinaram como quem anuncia um desejo de correr, de sair
rapidamente de um ponto a outro. Queria me salvar. Zangou-se naquele dia. Após conseguir
travar seu próprio corpo da loucura de arriscar-se pelo seu “delírio</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Garamond, serif; font-size: 17px; line-height: 19px;">”</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Garamond, serif; font-size: 17px; line-height: 19px;"> – reitero
que odeio o novo nome – franziu a testa, cerrou os olhos e seguiu a vida dando
de ombros. Talvez pareça um exagero de minha parte, fazendo de um pouco muito.
Imaginação? Não me peça para ser racional, já me basta aquele do qual falo. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Está bem.
Todos devem aceitar seu fim. Quem sabe seja melhor me extinguir num mundo onde
não há espaços para uma imaginação ganhar a cena. Mortos por pílulas. Verdadeiro
genocídio difundido por doutores. O maior crime do colarinho branco dos tempos.
Restam-me os sonhos. Não me agrada lá, onde somos todos iguais e podemos quase
tudo. Prefiro aqui. Em me pôr a caminhar por territórios rudes e quebrar-lhe os
chãos feitos de concreto, nos lugares que não me são os de costume, os de longe
de minha terra. Sou um nômade, oras. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 13pt; line-height: 115%;">Deito ao
lado de sua cama em fins de noite e grito que não irei desistir. Minha voz inexiste. Bato
palmas. Melhor seria ele desistir de me ausentar ou investir ainda mais pesado
em seus remédios para que, assim, logo eu suma e nem mesmo em lembranças retorne. Ele
quase dorme. No quarto escuro, vendo seu rosto sombreado, desencanta no canto
de sua boca um sorriso. Só posso concluir que deseja me ensandecer. Estou fatigado, devo admitir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 13pt; line-height: 115%;">Percebo
que minha narrativa tomou o tom duma conversa. Isso, com você leitor. Falo
eu, imaginas tu. Já começas a me dar vida. </span><span class="Apple-style-span" style="font-size: 17px; line-height: 19px;">Tornastes</span><span class="Apple-style-span" style="font-size: 13pt; line-height: 115%;">-me real. </span></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Garamond, serif; font-size: 17px; line-height: 19px;">Muito prazer! Como chamas?</span></div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com49tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-69804238864375520522011-10-21T22:30:00.000-02:002011-10-21T22:38:36.368-02:00A Vida dos Monumentos - final<br />
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Lá estava do outro lado da rua, o número
53, muro baixo e chapiscado, onde a cadeira de seu velho amigo velho já não
estaria. Foi dali, assustado, que vira seu amigo sair pela última vez, sedado,
levemente acordado, quase sonâmbulo, com um resquício de transe em seu olhar, como
que suplicando ajuda, como que clamando ser acreditado. Muitas vezes é o que
resta aos nossos velhos, bem o sabe senhor Esteves, pedir crédito para existir.
"Tarde demais", culpava-se, "isso não se poderá mudar". As
lembranças são dolorosas e essas a idade não faz esquecer. Recorda o dia em que
abrira o jornal e,<span class="apple-converted-space"> </span>estupefato, lera a notícia de que, numa
cidade vizinha, onde nascera seu velho amigo velho, uma estátua fora erguida
com a legenda "HERÓI DE GUERRA", entre outras homenagens. "Logo
ele, tão covarde", ria-se o senhor Esteves, "ele que odiava a guerra;
tudo por ser o primeiro", concluía Esteves, crendo que o amigo fora o
primeiro a desvendar a barbárie.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas caso o senhor Esteves dali não saísse
logo, tarde também seria para ele, pois o relógio permanece a circular, esse é
o regime de<span class="apple-converted-space"> </span>Cronos. Seu velho amigo velho nada havia
feito de relevante, da guerra muito mal participou, recusou-se a atirar,
recusou-se a fugir, recusou-se a ajudar. Depois de morto tornara-se o um senhor
da guerra. Já o senhor Esteves é um grande poeta, mesmo que há uns quantos
tempos não produza. Ele que se tornou agora um engodo para a economia, um
atraso para o progresso, um desvio para o axioma do "novo". Caindo em
si, do pouco que lhe resta, vai à<span class="apple-converted-space"> </span>direção<span class="apple-converted-space"> </span>de sua casa por um caminho diferente, dadas as<span class="apple-converted-space"> </span>circunstâncias,
nada mal. Ainda da esquina pode avistar ao longe, escorando-se junto ao poste
como um<span class="apple-converted-space"> </span>detetive<span class="apple-converted-space"> </span>de
um filme "meia-boca", porque convenhamos,<span class="apple-converted-space"> </span>Sherlock<span class="apple-converted-space"> </span>seria demasiada ingenuidade pelo que
se vê. Percebera com sua vista cansada que o perigo ainda não aperta tanto.
Seguira rezando, um pouco involuntariamente, ele que em divindades jamais
acreditou.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Adentrando a pensão lhe faltou à coragem
em encarar a senhora dona do lugar, que da cozinha já anunciava o cheiro de
queimado. Entretanto, as narinas que mal respiram não se dão conta dos odores
que lhe visitam, isto é, o senhor Esteves subiu<span class="apple-converted-space"> </span>diretamente<span class="apple-converted-space"> a</span> seu quarto. Entrou em seus aposentos
já tentando trancar a porta para que ninguém se aproximasse, mas as chaves se
escondiam bem,<span class="apple-converted-space"> </span>maquiavelicamente<span class="apple-converted-space"> </span>espreitando e esperando o desfecho
fatal, rindo-se silenciosamente com requintes de crueldade. Já indiferente à
porta, partira ávido atrás de seus comprovantes de existência. Picotou-os
todos, pelo menos os que encontrara, colocando todos os fragmentos numa sacola
plástica de mercado, sua melhor mala e quem sabe o melhor disfarce. Dali,
suando, escutara algo que parecia um automóvel a estacionar, uma ambulância,
como viria a conferir pela janela. Um triste<span class="apple-converted-space"> </span>enjôo<span class="apple-converted-space"> </span>nascera entre as entranhas, escalando todo o caminho por onde só se deveria descer. Os<span class="apple-converted-space"> </span>vômitos<span class="apple-converted-space"> </span>lhe saíam fracos; o senhor Esteves
escorava-se nas paredes buscando a porta que lhe tiraria dali, a porta que lhe
abriria um novo caminho de fuga, que lhe permitiria outro lugar para se estar e
aquele maldito lugar, outrora um lar, enfim abandonar. É trágico como um lugar em poucos minutos, outras vezes alguns dias, algumas declarações, pensamentos, com
muito pouco um lugar se<span class="apple-converted-space"> </span>transfigura<span class="apple-converted-space"> </span>completamente,
neste caso, para o pior.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quem lhe amparou pelos braços enquanto
desfalecia fora um dos enfermeiros. Aterrorizado e perdendo os sentidos, o
senhor Esteves não pôde sequer xingar seu algoz. Por um lado se acalenta, é o
braço esquerdo, enquanto que, por outro lado, se afugenta, é o braço direito. A<span class="apple-converted-space"> </span>injeção<span class="apple-converted-space"> </span>tem efeito instantâneo. Dali até seu
destino, esse sim um nome bem a calhar, pois como tal não se escolhe, suas
últimas memórias seriam estilhaçadas tal qual os documentos rasgados, mais
fragmentadas que de costume. Numa das poucas imagens que lhe sobrara, já dentro
da suposta ambulância, vira ao lado de fora a jovem jornalista, neta de seu
velho amigo velho, com a cara de pesar, com a cara do dever cumprido, tudo em
apenas um rosto. Apagou novamente, apagou<span class="apple-converted-space"> </span>derradeiramente. Suas lembranças agora são
nossas. Nem mesmo lhe restou tempo para ver sua sedação total, seu desfeche,
sua bancarrota. Não veria também que sua pele seria arrancada antes mesmo do
falecimento oficial. Banhado em cobre, corrigidos os contornos antes da secagem
final. Já não batia seu coração quando foi tornado estátua. Não veria as
homenagens e nem as honras em praça pública. Não veria também que a jovem
jornalista não iria à inauguração do monumento no centro da cidade.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: black;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O que também o senhor Esteves não vira em
sua última troca de olhares com a moça, fora seu semblante desconfiado, talvez
por honra de sangue, talvez por veia<span class="apple-converted-space"> </span>jornalística, provavelmente pelos dois. Não
vira também o que aconteceria com a investigação que a jovem conduziria,
clandestinamente, e os anúncios que faria - como na<span class="apple-converted-space"> </span>polêmica<span class="apple-converted-space"> </span>manchete "O HERÓI QUE NÃO
SUPORTAVA A GUERRA" -, mais todo o material reunido para desmascarar a
farsa do conselho da cidade. De certo, o senhor Esteves também não ouviria o
som do telefonema que<span class="apple-converted-space"> </span>sobressaltou<span class="apple-converted-space"> </span>a jovem, no meio da madrugada, com a voz que lhe dissera o que a deixaria como num pesadelo que se inicia
depois de terminar o sono</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">. </span><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></span></div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com39tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-22465862997420365162011-10-07T15:53:00.000-03:002011-10-07T15:53:01.956-03:00A Vida dos Monumentos - parte 1<div style="text-align: justify;">
O céu aberto da manhã de mais um dia, dos quais chamamos úteis, ainda que não se saiba exatamente para quem, clareia a normalidade dos andamentos dos movimentos quase reeditados, os mesmos de ontem, semelhantes aos de anteontem, provavelmente um prenúncio de amanhã. Em mais um dia aquecido pelo sol incendiado, os corpos caminham tranquilamente, despreocupados e bem distribuídos na geografia projetada da cidade. Apesar da inexistência das nuvens, a temperatura não é elevada e o ar que entra não chega a fazer escorrer o suor. Porém, para todo esquema bem desenhado existe um rabisco possível, uma discrepância real. Algo que desdenha do todo, mas cuida para não ser apagado com uma borracha. O senhor Esteves corre o quanto pode. O melhor seria, ainda, dizer que se apressa, aflito, inimigo ele mesmo declarado da perfeição.<br />
<br />
Sem saber por onde começar, mal sabendo que ninguém seria capaz, talvez não venham a saber que de tudo que aparece seu ponto de origem nunca se apresenta, ainda que se diga "eureka", traga-se alívio e ilusão, é acalentado pela jornalista que resolvera recebê-lo sem hora marcada. Lembrara de seu avô, a pouco falecido, a quem pouco visitava quando vivo. O trabalho não era pouco e o tempo, desconfiamos, está mesmo quase extinto. Movida assim, digamos, por motivos pessoais, recebe o ofegante senhor Esteves. "Beba uma água, senhor Esteves; acalme-se antes de falar". Ele consente e empurra goela abaixo aquela água pesada, pois apesar da garganta seca, o que o levou a beber foi puramente um sentido de estratégia, para evitar que saísse da bica da jovem o velho chavão de que os velhos são um tanto quanto teimosos, efeito da idade, diriam. Conquistaria assim, a atenção da moça e uma pré-credibilidade a seu infame discurso.terminadas as conversações, percebeu que não comovera a jornalista, que pedia que pensasse melhor , tentando convencê-lo do quão absurda era sua ideia, mas eufemisticamente falou, afinal, ela ainda respeitava os mais velhos. Ao fechar a porte para aquele senhor, pensou no que aconteceria se aquela notícia se tornasse publicada, em como reagiria aquela sociedade em ler que as estátuas da cidade eram literalmente feitas dos próprios modelos, "Homens estatualizados vivos!", sem contar a necessidade de inventar a palavra. Dali a pouco pegaria o telefone. Era hora de contatar; a quem, não se sabe. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
O senhor Esteves saíra do prédio desnorteado, desoesteado, deslesteado, dessulado. Uma ligeira vertigem o tomara de assalto, levando consigo as variadas cores, algumas delas, e escurecendo-lhe as vistas em plena luz da tarde. Passara o horário do almoço e nem mesmo o café da manhã, sua sagrada refeição, havia degustado. Pensou em retornar a sua casa, a pensão onde vivia e ultimamente sobrevive. (Todavia), o alarde criado nas últimas semanas por seu desatinado desespero levou o tal lugar um estado de alerta e aumentando ainda mais seu temor por um perigo eminente. <br />
<br />
Após um pequeno desjejum, pois refeição não se poderia chamar, decidiu ir até seus pertences , em especial os seus documentos, a fim de extinguir-lhes todos para que dele não se tenha registro oficial. Não se estatualizaria um "Zé Ninguém" e, por outro lado, não se procura um foragido que não existe. A caminho de uma cidade outra, ao tempo de uma viagem sem rumo, pensaria numa nova identidade, nosso grande vício. Ora, mas não é exatamente isso o que fazem os conselheiros da cidade? Não são eles quem decide quem deve ou não ser transformado em estátua, em monumento, em patrimônio histórico e público, enquanto escolhem o que deve ser lembrado, o que vai para lápide, o que se tornará memória e o que se tornará esquecimento. Para este senhor as ideias não se aclaram, a fugacidade, a incerteza, a idade que nem mesmo a si já lhe confia. Na trama das teorias conspiratórias, passara pela entrada de sua rua e não se tinha apercebido, mas felizmente perdido por inteiro não estava. Ali, lembrava ainda do lugar o qual o acaso, ou o descompasso o levara.<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
------------------------------------------------------------------------------------------------ Continua...</div>
<br />
</div>
Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com28tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-1120545897653417082011-09-08T14:55:00.000-03:002011-09-08T14:55:48.460-03:00Os Pretéritos de um Futuro Verde-amarelo<br />
<div class="MsoNormal">
Estavam quase, como que atônitos, ligeiramente aflitos, inteiramente desesperados. Isto é, no sentido mais forte do termo, não esperavam por tudo aquilo, nem mesmo pela notícia e desde agora, doravante não esperam mais qualquer boa nova. </div>
<div class="MsoNormal">
<br />
Ora, onde estão todos vocês? Uns quantos movimentos repentinos e já não mais estão aqui. Tudo que se viu antes se foi. Sem rebates, silenciosamente. Pareceria um alerta antibélico se nós estivéssemos em guerra. Não há chuvas destrutivas nesta época do ano. Era para saírem, com o pouco do corpo, com a miséria da geladeira, com a vergonha da covardia. Não é uma desocupação, minha senhora. Tudo soa cinicamente como deve ser. Vocês simplesmente devem sair. Caminhem pelas beiradas, não façam alardes e nem mesmo dêem entrevistas. Tudo será resolvido, ainda que nunca o saibam; a nação agradece. O progresso já não vem a cavalo, tudo é muito acelerado. A luz é o limite ou será. O sossego é uma encruzilhada, o avanço segue a abrir avenidas onde houvera lares e aconchego. </div>
<div class="MsoNormal">
<br />
Veja só que bela casa! Veja só que beleza este jardim. Foram-se os tempos. Visitem-nos com suas máscaras e não atravessem a rua fora da passarela. Olhem ao longe, quando muito lá por cima. Já não há portas para bater, as janelas não revelarão mais qualquer paisagem. Cuidado com os futuros, rapaz. </div>
<div class="MsoNormal">
<br />
Ali, onde estavam, longe, é difícil tornar a sentir a vizinhança. A herança não é muita. Não seremos convidados para as festividades. Torçam pelo Brasil, todos vocês, todos nós. O governo não fala por nós. Fostes pegar o último girassol e ele já não olhava para o sol? Está distante, como a observar a descida de outra plataforma, ali por cima, sobre a pilha de paralelepípedos. Quem as largou aqui, não queremos namoro. Está como que entregue a má sorte, sob a pilha, já concretizada. Despediu-se do sol, o grande curioso que quase a tudo espreita a querer ver, que se levanta em meio à poeira dos passados que ficam para trás.</div>
<div class="MsoNormal">
<br />
Em molduras as crianças não correm pelos corredores, não quebram jarros com bolas; estão ali para sempre ficarem. É o que se pode. </div>
<div class="MsoNormal">
Façam silêncio, por favor. Não necessitam se incomodar com a porta. Não teremos os vizinhos. Você está cansado. Aperte minha mão de luva empoeirada, levante o capacete e sorria para o ponto vermelho. Pegue o cheque na saída. Foi esse o acerto final. Acerto certeiro. Via de mão única; inaugurada! Os holofotes criam o espetáculo. Estejamos longe, estou farto de modernidades. Meu bem, a civilização é uma barbárie. </div>
<div class="MsoNormal">
<br />
Enquanto isso ligue a tevê. Vão começar os jogos. </div>
Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com47tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-84070747453254094582011-08-20T00:43:00.000-03:002011-08-20T00:43:10.902-03:00Viagem ao terceiro mundo<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Iremos visitar a marca das barbáries. É um reduto dos povos da recusa, nos dizia o homem. Tomaremos o devido cuidado. Não podemos encará-los abertamente, pois não sabemos o que se pode desencadear. Mais parece uma cidade inteira, pelo seu tamanho. O cheiro fétido estende-se ao longe, quase se pode vê-lo ainda do outro lado a ressoar em nossas narinas civilizadas. As construções de tijolos expostos têm apenas algumas hospedarias pintadas de azul marinho, outras amarelo manga, outras laranjas, num tom curiosamente semelhante ao dos tijolos expostos. O homem diz fazer parte da organização, como um mosaico, rindo do que disse. Assim também não nos perderíamos, concluímos aliviados com a segura certeza. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Lá embaixo, na selva, estão ao relento. É cedo, mas muitos já saíram para retornarem apenas ao final do dia com alguma esperança e, talvez, uma cara amarrada. Não se pôde ver. À noite não me parece tão seguro um passeio como estes. Embora esteja tudo em franco processo civilizatório, como li numa das propagandas. Parece que vai haver o que chamam “roda de samba”, típico do Brasil, como bem sabemos nós desde o outro lado do oceano. Mas quando os encontramos em alguns cantos da cidade, ao ar livre, tem sempre o semblante fechado de miséria, como se a culpa nos coubesse no armário, como se estampasse numa blusa, como a dizerem-nos que não somos bem-vindos. Aos pequenos se consegue arrancar um sorriso, bastam alguns trocados, ou mesmo um biscoito. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É possível vê-los pelas janelas, pelas frestas das portas a se alimentarem, higienizarem-se a sua maneira. Por vezes, dá-nos a impressão de que as casas têm rodízios, pois é como se trocassem o tempo inteiro em alguns lugares mais que outros. Talvez, apenas aquelas estivessem nesse sistema de entrar e sair a quem queira. Não há muita clareza para se entender o que passa. O teleférico á alto, passa ao longe, mas perto o suficiente para se usufruir esse curioso passeio com o que chega às vistas. Deixam-nos entrar também, em quantidades pequenas, é claro, sem comprometer a integridade da viagem. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Final de passeio com o saldo positivo. Tem mais duas semanas de praias. Já foram Pão de Açúcar, Cristo Redentor, Teleférico no Complexo, o último riscado. Ninguém morreu ou sequer se feriu. Voltarei ano que vem e trarei minha família, e claro, alguns brinquedos para doação. Não se pode fechar os olhos para miséria, é necessário ajudarmos. Com o dinheiro que se tem vê-se muito. Não tudo. Definitivamente, volto ano que vem. </div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com21tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-26416760641853996902011-06-28T18:16:00.002-03:002011-06-28T18:19:07.239-03:00O carpinteiro e a canga verde-limão<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;">“Amanha será um bom dia para ir à praia”, foi o que pensei ontem. Não estava de todo equivocado. A manhã é ensolarada, porém sem demasia. Se for verdade que existe uma medida certa para as coisas, o calor encontrara seu apogeu. A temperatura não é elevada e venta fresco, dando a ilusão de um refrigerador tamanho celestial perpassando toda a região beira-mar e, devo dizer, refrescando até mesmo a areia dourada, reluzente como um sol que nasce debaixo, de maneira tal que me martirizo por haver esquecido os óculos escuros. Praia vazia, apenas alguns gatos pingados, se é que isso da em praia. Soaria mais verídico dizer “cães pingados”, mas estes não pingam, estão mais para algo derramado. Não estamos no verão, é bom lembrar, tampouco é final de semana. Terça-feira é dia de labuta para quem não pode escolher as folgas. Nem todos ganham bem a vida como artesãos. Isso se ainda os há, caso não seja eu o último. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif;">A manhã segue normal e, enquanto saboreio uma água de coco, sequer transpiro. Tão atípico que, ao dar por mim, vejo uma esvoaçante canga verde-limão de uma sereia que, ao que se nota, trocou por definitivo as esporádicas subidas à superfície marítima e as investidas aos indefesos marinheiros, pelos desfiles nas extensas areias de Ipanema e a sedução aos mortais cariocas que a possam ver. Boa sorte a minha. Terminada a tarefa de estender a canga, sedutoramente, diga-se de passagem, levanta-se agora para ajeitar o biquíni tomara-que-caia, a parte dos seios cobertos por um lilás fechado, com alguns pequenos detalhes estampados aos quais não pude identificar sequer a cor, quanto mais o que era, tamanho meu introspectivo desatino. A parte inferior era lisa, também fechada, desfilando em tom cinza, talvez grafite, mas isso é o que menos importa na paisagem, embora contraste maravilhosamente com sua pele branca, daquelas que não azedam.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif;">Assisto a tudo sentado, no tempo em que minha retina desistiu de enviar ao cérebro os estímulos luminosos, que por isso da areia já não me incomodam. Seu tom alvo forma algo como uma raiz que sustenta aquelas pernas, que em sua textura jovem e lisa, rivaliza com a areia velha e pisada. Pernas, cintura fina, seios escondidos como um tesouro a seduzir o pirata. Quem me dera ter um tapa-olho. Seu colo desnudo, graças a seus loiros cabelos em semi-coque, deixando sua nuca, a qual não vejo, mas posso imaginar, inteiramente livre. Alguns fios rebelam-se, teimam em levitar ao ritmo do vento. Nada que incomode uma deusa. Seus brincos de argolas grandes a deixam ainda mais cinematográfica. Começo a suar.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif;">Olha-me! Qual despeito o meu?! Em verdade, olha apenas em minha direção enquanto, agachada, apanha em sua bolsa o protetor solar. Olha seguidamente, interrompendo-se brevemente em alguns instantes. Está de óculos escuros. Fosse eu um tipo praiano juraria que é para mim. Ela ergue com suas delicadas mãos o protetor, num gesto em que simboliza o oferecimento de seu corpo ao herdeiro, como um rei Artur que irá arrancar a espada pela força que o torna “o escolhido” em meio a muitos. Segue com sua mão em minha direção a ostentar o recipiente. Será um convite? Estou desfalecendo... Retomo rapidamente a água de coco e espreito sem barricadas. Ainda que de óculos escuros, estou certo de que é meu o seu desejo. Meu coração deve dar-se a ver de lá, de tanto que insiste em bater estrondosamente. Bastar-me-iam a insensatez e alguns ligeiros passos e estaria eu a puxar conversa com um “bom dia”, “qual a sua graça?” ou um ousado “necessita ajuda?”. Estaria a sua frente, a vê-la se deitar, sua pele sedosa abrigando minhas mãos espalmadas a talhar meu desejo em suas costas atrevidas. Como faço arte com madeira, de certo que ela não esqueceria minhas talentosas mãos. Ombros, braços, pernas, “com sua autorização”, riríamos os dois. Contar-lhe-ia meu ofício; ela se lembraria de um avô carpinteiro que jamais existiu. Seria o primeiro de muitos encontros.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif;">Ainda nem perguntei seu nome e dou por mim que na distância em que nos encontramos, ficaria eu a falar com os pombos. Deixo então de sonhar e levanto decidido a me aproximar quando por mim passa um rapaz alto, devidamente bronzeado, numa corrida atlética a qual me faltaria o ar. Ele chega, ela sorri. Eles brincam e se beijam rapidamente, com aquele beijo de confiança que somente entre namorados se procede. O privilégio é dele; rei Artur. E eu aqui, sem encontrar assento na távola redonda. Fosse antes uma sereia e me consolaria o fim daquele marinheiro. Poderia ser eu o próximo, morreria feliz.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif;">Invejo cada detalhe desta cena. É incrível como uma mulher possa não saber a desavença que um protetor traz para a vida de um homem. Ela não olhara para mim. A consciência é uma perdição dolorosa. Quem foi que disse o contrário? De certo alguém que não a viu daqui, de onde a vejo. De onde a vejo parece uma atriz pela beleza de seu rosto, cada parte compõe sem medo uma perfeita sintonia com as demais. Corpo de dançarina, desenhado, mas sem ares de academia. Cheia de assuntos, os quais eu não acompanharia; de praias pelo mundo afora, de festas, viagens. Se pudesse lhe contar a poesia das madeiras maciças, dos cálculos, das geometrias, da vida que dou aos troncos. Se visse meus telhados, portas, assoalhos, móveis. Aceitar-me-ia como o homem da casa que seria nossa. Todavia, agora penso que estive no ofício errado. Deveria estar a fazer pranchas. Estaria ao pé de seu ouvido, a sentir seu perfume vencer a maresia, ensinando-lhe os truques das ondas, “é possível andar sobre as águas, meu bem”.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif;">Indo embora, passa por mim envolta em sua canga verde-limão, já sem os óculos e, como danou a fazer boa parte da manhã, olha-me. Agora sei, eram mesmo para mim aqueles olhos castanhos que acabo de conhecer e que ofuscam até mesmo o azul brilhante do mar, que ofuscam até mesmo o azul dourado do céu. Ela sorri de canto de boca ao passo que me fulmina, enquanto o rei Artur parece se ocupar de um aparelho celular. Um pouco mais tarde, ainda anestesiado, mergulho na esperança de curar a ressaca de minha alma embebida de saudade. Ao retornar, encontro a canga verde-limão estendida. Procuro-a por toda parte. Não a encontro. Talhei-a eu, numa paixão inventada de artesão?</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><br />
</span></div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com36tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-35969513667230973572011-05-26T16:31:00.000-03:002011-05-26T16:31:45.445-03:00Postal<div style="text-align: justify;">Dia desses enquanto lia <em>“O Vendedor de Passados”</em>, de José Eduardo Agualusa, algo na leitura me chamou atenção. Claro que não somente isso me afetou, porém em alguns momentos alguns acontecimentos, mais do que outros, nos tiram do lugar. É como se saíssemos do espaço geográfico em que habitamos para nos aventurar em outra atmosfera. Creio que seja mais atmosfera do que espaço. Coisas que não havíamos pensado em meio a tantas já pensadas, algumas até demasiadamente, outras mais furtivamente. A primeira coisa que gostaria de compartilhar nos remete a segunda parte dos pensamentos, os furtivos, aqueles que pensamos de passagem, passam por nós mais do que nós por eles e deixam apenas rastros, cultivados ou não. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Vejam: <em>“A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos”.</em> Esse foi o primeiro momento em que saí da leitura, por ela mesma assaltado, um tanto também pelo contexto da narrativa, pelo desenrolar do livro. Mas o que ficou, se assim se diz, foi – ou é – a citação acima. Os planos nos servem ao contentamento, já as surpresas, um pouco ao acaso, se as permitimos percorrerem nossos caminhos, participamos delas, ainda que por um breve instante. Fechar os olhos é não guiar, não dirigir, não trilhar. A felicidade não é um objetivo. Na verdade prefiro a palavra “alegria” a “felicidade”. A primeira traz a conotação do instante, da fugacidade e, assim, retira-nos do centro, da ilusão do controle; a segunda faz pensar em permanência, num ideal que, uma vez alcançado, estaria terminado, igual, cheio de méritos pessoais e enrijecido. A distinção é minha, não creio que seja a conotação que o autor deseje dar a ficção, tampouco me importe e etimologia das duas palavras. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O desejo, o primeiro de dois, é: “feche os olhos!”. Aproveite os momentos em que a vida não é generosa, não são todos, para alguns mais, para outros menos, são os mistérios e a insensatez da vida, não há lógica nisso, apenas ritmo. Mas quando a brisa lhe chamar pela pele, incline a cabeça ligeiramente para cima, permita ao vento brincar com seus cabelos, seus olhos verem a poeira levitar, os ouvidos ouvirem as ondas que jamais se cansam. Sinto o cheiro da chuva. Mas também o do café, do perfume, da gasolina, das gentes; veja o horizonte, sinta a velocidade nas estradas, viva a letra escrita, as imagens inventadas. Rejeite os manuais, inclusive este se assim lhes parecer. É a parte mais importante, fechar os olhos para eles.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Agora a segunda parte, ou melhor, o segundo desejo. Bem, tentarei levá-los até ele, que rematará o postal. Já sabemos e não haveria de ser diferente que, nada dura para sempre. Tudo que é matéria acaba e o que está entre ela e outra, finda também. Um dia, quem diria, até o sol cansará de aquecer, a grande estrela se fartará. As ondas não mais insistirão em bater, num dia em que não estaremos para ver e, muito possivelmente, ninguém estará. A vida passa e os anos também. Estamos em 2011, estaremos em 2059, estivemos em 1968. E passam. Mas, como tudo que passou nada é apenas alguma coisa. As coisas são, cada uma, muitas delas. Assim, o tempo não é somente os dias ou minutos na ditadura do Cronos, mas as experimentações, os acontecimentos, os instantes de alegria, os de tristeza. São além dos fatos e, não me refiro as ideias. Falo de vivências eternizadas, das saudades, do porvir. Falo sem saber. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E agora, mais um pensamento furtivo: seja feliz para sempre nos momentos em que fechar os olhos. <em>“Somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre...”,</em> quando é para sempre? Talvez se for inteiro, quem sabe, seja para sempre... Portanto, o desejo é de que não percamos a criança dos sorrisos, pois seria um caminho de tristezas e, quando muito, de medíocres contentamentos. Encerro assim, compartilhando mais do que pactuando, pensando alto mais que postulando, escrevendo à deriva, ainda que com palavras emprestadas: <em>“... mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre”.</em></div><em><br />
</em>Lugar qualquer, da/ta/vã.Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com31tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-36548480383448804642011-04-15T20:13:00.003-03:002011-04-16T14:48:43.839-03:00O diário sem memória - final<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Foi-se. Saiu já quase noite, sem rumo, precisava apenas sair, dirigir, acelerar. Passou ao outro lado da cidade, longe de casa, longe de conhecidos, longe das lembranças. Pelo menos era o que almejara, embora não seja difícil de imaginar que não passariam de ilusão, as lembranças recentes vieram sentadas sobre o banco do carona, desceram do carro e subiram junto dele ao quarto de hóspedes do hotel em que se hospedara; não o largaram, como se com ele estivessem algemadas. Seu consolo é saber que seu algoz não resiste à luz do dia, o esquecimento o levaria, bastaria apenas um bocado de concentração – ou seria a ausência completa dela – para que a memória se esvaísse. <br />
<br />
Porém, diferentemente das noites em que Rubens sequer pode se lembrar, é o preço que se paga ao apagar as dores vividas, deixou seu quarto já em fins de noite e pôs-se a caminhar a pé pelas ruas da cidade. Algumas já dormiam em silêncio, outras resistiam às horas. Lá, avistara uma casa de festas, talvez uma boate, talvez um prostíbulo. Foi à porta e perguntou ao segurança do que se tratava o lugar. Para a alegria de Rubens o mesmo lhe garantiu a segunda suspeita. Rubens sorriu e subiu, era o momento de vingar a desavença, de aplainar o jugo desigual. Passou a semana longe de casa; sete dias no hotel, sete noites no puteiro, perdoem o mau jeito, mas por vezes, por pressa ou impaciência, necessitamos de clareza com as palavras. Durante este período, pouco falara com sua casa; escassas ligações, meias palavras, nenhum veredito. Pedidos de perdão não aceitos, clemência adiada. <br />
<br />
Toda noite, antes de anotar suas tarefas em seu diário azul, onde escrevia antes de apagar-se a memória para de algum modo permanecer ligado em sua vida e a ela dar continuidade, encarava o diário vermelho como se este o desafiasse e, envergonhado por não encorajar-se a ler, procurou nos corpos das meretrizes o consolo, como se uma necessidade suprisse outra. Entretanto, soube Rubens muito bem aproveitar este confuso erro. Gozou todos os dias, com todas elas. Não é preciso detalhes, reclamam os leitores. Prometo não voltar a eles, mas este fica para que conste em seu histórico. <br />
<br />
Ao sétimo dia não se permitiu o descanso, rejeitou a mediocridade e se pôs a folhear o livro proibido, ignorando o aviso da capa, “NÃO LEIA!”. Pela primeira vez Rubens se encontraria com seu passado, com seus monstros, ao menos, ainda que de forma inocente, era o que imaginara. Visitou, agora com sua leitura, dores moribundas. O que era morto reviveu. Os zumbis, esses mortos-vivos, também andam, talvez respirem, ainda que com dificuldade; sua existência é mais sofrida, pois suas vidas carregam as dores da morte. Paradoxo. Assim, igualmente o é com as memórias desenterradas. Lamentou pela memória triste e irritou-se consigo mesmo. Já não era a primeira vez que lera o diário vermelho. Chorou. Chorou hoje as dores de outros tempos. Choro duplo. Como uma onda seu passado inundou o momento levando embora a ilusão que permitiu a Rubens se pretender intocável. <br />
<br />
Leu o que já havia lido. Seria um choro triplo? Uma dor ao cubo? Deu-se a ira, permitiu-a possuí-lo e arrasado, destruir o quarto. Deu-se ao silêncio, às retumbâncias dos tempos tornados um só, dos passados vividos e perspectivas futuras tornados instante. Percebera que apagar as dores e enterrar os mortos, ainda que não se visite o cemitério, não impossibilita os maus dias, nem mesmo voltando a apagá-los – o que parece temporário. Decide então apagar todos os seus dias, porém não todos de uma vez, logicamente; um após o outro, apenas isso, embora seja já incrivelmente muito. Uma rotina desfeita pela raiz pode ser um caminho mais eficiente, era o que imaginara. Ou apenas o que desejara. Num lapso de não se sabe o que, acende uma pequena fogueira e queima o diário vermelho e com ele os espectros assombrosos de seu passado. Rubens é agora o homem sem memória. Anota as tarefas no diário azul. Esquece e dorme.<br />
<br />
Volta para casa e toma em seus braços sinceros a mulher que lhe espera.<br />
<br />
</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com37tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-15352879081941127622011-02-23T21:08:00.000-03:002011-02-23T21:08:48.543-03:00O diário sem memória - o parêntese<div style="text-align: justify;">Quando ainda garoto, Rubens demonstrava difícil domínio nessa relação tão dinâmica entre lembranças e esquecimento, sim, a primeira no plural por permanecerem vivas, a segunda, ao que parece, une-se a uma só coisa, o buraco negro da memória e se mostra singular, se é que o que se apaga ainda faz parte do campo da memória. Para além de todos os mistérios, se algo é dito esquecido, esquecido está até que se prove o contrário. Por favor, tentemos não pensar em recalques, vamos deixar o mimo que é um divã para lidar com o caso, para variar um pouco se não é pedir muito. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No início, às primeiras vistas, tudo parecia um problema de indisciplina. “Os dedos na tomada causaram uns muitos choques por dia”, lembraria a mãe. Por sinal, gostam lá as mães de algo mais do que lembrarem a infância de seus filhos; pobrezinhas, muitas vezes é o pouco que lhes resta. Com o tempo já acreditara que, talvez, esses incidentes tenham sido a verdadeira causa. Vemos o que podemos. Memória fraca, pelo visto, todos nós temos; uns mais e outros menos, mas veremos que o problema do menino vai além de um fator hereditário. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A mãe de Rubens sempre pareceu preocupada e de várias formas tentou ajeitar o garoto. Como na época ainda não circulavam leis que proibissem os ditos responsáveis de ensinarem à flor da pele como se deve portar na vida, eram variados os castigos. Não será preciso nos zangar, não se trata de uma lembrança violenta de uma mãe desnaturada para com seu próprio filho. Era mãe por natureza e família por natureza, e pelo menos desde alguns séculos isso é sinônimo de disciplinar os filhos e antes que seja tarde, como temem alguns. Portanto, fustigar com vara parece que há muito é função familiar, mas não somente isso, pobres crianças, ainda tem os puxões de orelha, as chineladas nas nádegas, o cinto, a palmada. Sem contar os castigos, as ameaças e coisas do tipo e que bem conhecemos, seja por um lado, seja por outro. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Passadas as tentativas fracassadas, como numa brilhante ideia que se acende, mas que na verdade é um processo longo que desemboca a qualquer hora, percebeu que o problema maior já não era a memória do menino, mas sua maneira de abordá-lo. Castigou-lhe com um diário. É que o menino esquecia muita coisa, perdendo por vezes seus compromissos, a entrada e a saída. O que a mãe temia ser uma sem-vergonhice, uma doença, um distúrbio, ou como se diria hoje, um transtorno mnêmico, era um dom, uma maldição. É que isso varia segundo o momento, convenhamos. Algo que se da pela imanência, palavra esquecida, mas nem por isso menos real. Uma façanha do desejo com a colaboração dos imbróglios fisiológicos que como máquina funcionara e ainda há de funcionar até os dias de hoje. Esses que não serão os de agora, teremos que aguardar um pouco mais.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em algum dado momento, não se sabe exatamente quando nem como, Rubens tivera que lidar com dois diários. Ao que tudo indica são também ordens de sua atenciosa mãe, mas ao certo não importa, até porque não há aqui alguém com dotes de Procurador Geral, ou quando muito não está para isso. Então, um diário cuja capa é preta e se escreve de vermelho; outro diário de capa verde, onde se escreve em azul. Com o tempo e a idade, aprendeu Rubens a manejar seus diários, segredo que apenas sua mãe sabia. Aprendeu também a lapidar seu “talento”, esquecer ou não, o que nem mesmo sua mãe imaginaria.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><u>Continua...</u></div><div style="text-align: right;"><br />
</div><div style="text-align: right;">Bruno Costa</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com35tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-63532255108325241502011-02-04T19:36:00.001-02:002011-02-04T19:36:26.657-02:00O diário sem memória<div style="text-align: justify;">Do lado de fora da casa é possível ouvir os gritos abafados e, talvez para os mais sensíveis, os quais porventura passeiam pela calçada numa caminhada de fim de tarde ou ocupando o lugar de simples transeuntes, seja possível até mesmo sentir a tensão que visita o casal. Do lado de dentro o que se vê parece o fim; um casamento tateando sua bancarrota. Certamente nada de novo, como alguns bem poderiam observar. Sim, devo concordar. Mas não nos apressemos porque a história não termina aqui e precisamos prosseguir. Letícia envolveu-se com outra pessoa, um rapaz mais jovem que seu marido, embora não nos convenham mais detalhes e, por não ter o consentimento do marido, como é o costume já há muito tempo no mundo, teme acabar sem ele. Algumas feministas poderiam dizer que também isso seria comum e nada problemático, mas não iremos, insisto, nos apressar nos julgamentos. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Rubens não flutua como seria necessário em casos como este, quando uma pessoa fica "sem chão" como popularmente dizemos. O chão é o lugar onde sabemos pisar. Porém, Rubens se encontra de pé, embora as pernas lhe tremam e não façam valer qualquer firmeza, o próximo passo talvez esteja mais para uma queda livre, se é que algo pode ser merecidamente chamado livre, quem sabe unicamente isso, uma queda, mereça esse complemento. Para onde poderia ir agora sem sua mulher de longas aventuras? Precipitam-se os que pensam que o desejo se dê pela falta. Não é por descaso ou mesmo talento atrofiado para as necessidades do casamento de Rubens que a levou ao lugar que ainda pouco foi. O acaso que nos ronda desconhece as normas morais e as quantidades socialmente autorizadas, se bem me entendem. Caso contrário, que fique claro, ainda que nos demoremos mais no assunto, que Letícia não buscou no outro jovem suprir suas carências afetivo-matrimoniais, tanto não foi que ainda está com o marido e sem planos de deixá-lo. O desejo que a tomou de assalto não lhe descreveu o adultério, nem tampouco lhe disse que apenas um homem lhe bastaria e que então voltasse ao seu marido já que muitos não encontram com quem se deitar, sendo que ela já o tem. Tivera? Não sabemos onde os desencontros irão levar o ilustre casal. Por vezes o desejo vem como uma catástrofe natural, que independentemente dos esforços contrários acontecem, embora os homens façam o favor de os precipitarem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Vejamos o lado da suposta vítima. Embora o medo parecesse seu único sustento neste instante, já sabia como tudo incrivelmente acabaria. Assim, num misto de alívio e melancolia, como um só sentimento, um só afeto, mas por carecer de inventar palavras não se pode sentenciar mais adequadamente, ainda bem, pois seria demasiado desagradável se soubéssemos falar tudo, dar nome a tudo, sendo que tudo nunca será, pois o mais ainda está por existir, ficamos por ora com as duas palavras aparentemente avessas, numa só dose para dizer que o homem decidiu sair. Ficaria longe uma semana para que não ruísse seu plano, este que, acalentemo-nos, ainda não nos foi revelado, não criemos mais preocupações, já nos basta um casal perdido em toda essa situação. Antes de fechar a porta disse Rubens que voltaria a abri-la, mas apenas talvez, com tom de “quem sabe?”, apenas se lhe perdoasse a traição, foi assim que disse pois assim julgou, para recomeçarem do zero, como se isso lhes fosse possível. Muitas vezes se começa do 1, do 3 ou até do -1, ou mesmo do -0,5 por encarecimentos de detalhes, porém jamais se começa do zero, que é um estado que não nos compete saber. Em meio a tudo, Rubens nem mesmo lembrara que já não seria a primeira vez. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><u>Continua...</u> <br />
<br />
<div align="right">Bruno Costa</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com30tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-70330827234730806802010-12-23T20:35:00.001-02:002010-12-23T20:41:12.588-02:00Presente de Natal!<div style="text-align: justify;">Recebi este selo do blog "Abrindo a cabeça" (<a href="http://coracaoonline.blogspot.com/)">http://coracaoonline.blogspot.com/)</a> há alguns meses atrás e com este atraso venho postá-lo, não sem antes agradecer a blogueira e autora do blog, Tatiana, a qual admiro e respeito por tudo que escreve. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf5PEpn08dLd3jXRltdJixjSuiK71MJJfkMundtmWpWIVdjPdQac0sLkHOYzvU7Uc7wtuDAA2V665JhbIEOA9g1Fxa8BfMsRXSrQKEvehaAzxM_TkbcMTnDaEWUSZ7yP9fD7GHAudzne8/s1600/Selo_beijo_de_luz_thumb3%255B7%255D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" n4="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf5PEpn08dLd3jXRltdJixjSuiK71MJJfkMundtmWpWIVdjPdQac0sLkHOYzvU7Uc7wtuDAA2V665JhbIEOA9g1Fxa8BfMsRXSrQKEvehaAzxM_TkbcMTnDaEWUSZ7yP9fD7GHAudzne8/s1600/Selo_beijo_de_luz_thumb3%255B7%255D.jpg" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Segundo as regras, devo presentear também com este selo mais 10 blogs, e cada um destes deve presentear outros 10, além de divulgarem em seu blog o selo e o link do presenteador. Eis a lista:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">LiterAmado (<a href="http://literamado.blogspot.com/">http://literamado.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Luz, Sentido e Palavra (<a href="http://luzsentidoepalavra.blogspot.com/">http://luzsentidoepalavra.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Além do que se vê (<a href="http://bloggalemdoqueseve.blogspot.com/">http://bloggalemdoqueseve.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Pensatividades (<a href="http://pensatividades.blogspot.com/">http://pensatividades.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Apartheid na Palestina (<a href="http://apartheidnapalestina.blogspot.com/">http://apartheidnapalestina.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Intensivo (<a href="http://intensivo.wordpress.com/">http://intensivo.wordpress.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Paradoxo Visceral (<a href="http://paradoxovisceral.blogspot.com/">http://paradoxovisceral.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Penso. Logo creio. (<a href="http://williamkoppe.blogspot.com/">http://williamkoppe.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Filosofilmes (<a href="http://filosofilmes.blogspot.com/">http://filosofilmes.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Utopia Ativa (<a href="http://jorgebichuetti.blogspot.com/">http://jorgebichuetti.blogspot.com/</a>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Outro selo que ganhei recentemente veio do blog <a href="http://blogkawai2.blogspot.com/">http://blogkawai2.blogspot.com/</a>.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4qLenO-RBrkOfBYrXmvP4KnvOJj1nxufsu000FKIYo_F0lN-1iyQIgW_sL8xPzi-gRVCtKVGXZW9W4HikoGDRjQZwWzrqTE3iW1KHFsZ44dIdZzkB8AhQehsvA3uJWk1mUziG2vWDjS0/s1600/Blogueiro_Show.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" n4="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4qLenO-RBrkOfBYrXmvP4KnvOJj1nxufsu000FKIYo_F0lN-1iyQIgW_sL8xPzi-gRVCtKVGXZW9W4HikoGDRjQZwWzrqTE3iW1KHFsZ44dIdZzkB8AhQehsvA3uJWk1mUziG2vWDjS0/s1600/Blogueiro_Show.jpg" /></a></div>Com este não vieram regras, mas deixo claro que também presenteio os seguintes blogs:<br />
<br />
LiterAmado (<a href="http://literamado.blogspot.com/">http://literamado.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Luz, Sentido e Palavra (<a href="http://luzsentidoepalavra.blogspot.com/">http://luzsentidoepalavra.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Além do que se vê (<a href="http://bloggalemdoqueseve.blogspot.com/">http://bloggalemdoqueseve.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Pensatividades (<a href="http://pensatividades.blogspot.com/">http://pensatividades.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Apartheid na Palestina (<a href="http://apartheidnapalestina.blogspot.com/">http://apartheidnapalestina.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Intensivo (<a href="http://intensivo.wordpress.com/">http://intensivo.wordpress.com/</a>)<br />
<br />
Paradoxo Visceral (<a href="http://paradoxovisceral.blogspot.com/">http://paradoxovisceral.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Penso. Logo creio. (<a href="http://williamkoppe.blogspot.com/">http://williamkoppe.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Filosofilmes (<a href="http://filosofilmes.blogspot.com/">http://filosofilmes.blogspot.com/</a>)<br />
<br />
Abrindo a cabeça (<a href="http://coracaoonline.blogspot.com/">http://coracaoonline.blogspot.com/</a>)Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-37230945974424539302010-12-13T18:17:00.001-02:002010-12-13T18:21:24.199-02:00PluralidadeA gaivota bate as asas. Alça vôos desimpedidos sobre as águas do mar azul. Entre penas mergulha no vento, sente sua força. Ora ela o enfrenta quase a parar, no ar fica como se estivesse a levitar, flutuar; ora ela se permite entrar em seu curso, deixando-se acelerar num vôo célere, arrasador e certeiro, carregado de adrenalina. As aves têm disso? Não sei... Nem importa se sabemos. Suas asas são de liberdade, embora ela não o saiba. A consciência não lhe perturba, sua famosa “voz” não fala com gaivotas. Mas ela segue pairando nos ares vagos. Existem muitas maneiras de experimentar a vida. <br />
<br />
O cão passa com seu focinho atento que o guia e o leva aos lugares de odores familiares ou quem sabe para os mais tentadores. São peripécias de um destino jamais traçado, dado aos acasos dos temperos ou dos lixos. Seu faro segue sem as ditas “boas maneiras” entre o podre e o fresco. Como foi dito, os cães não se dão com as etiquetas. Alguns não conhecem nem mesmo os limites de ter um dono. São livres mesmo sem sabê-lo. Ele cheira, fuça. Existem muitas maneiras de experimentar o mundo. <br />
<br />
Os carrapatos sobem com suas patas minúsculas. Elas procuram árvores, madeiras, lugares altos. Sem saberem o nome, carregam consigo a dádiva da paciência. Passam dias, semanas, meses e mais meses em jejum. Mas por isso não são santos. Que o digam os cães. Lá em cima essas criaturas recebem seu estímulo que vem de baixo, permitindo-se uma livre queda que não os leva ao grau de suicidas. Pelo contrário, é chegado o momento de se alimentarem, de sugarem sangue, de brincarem de vampiro. Sugam um sangue sem roubar a condição mortal de suas vítimas. Eles não sabem que muitos os odeiam. Liberdade da vida artrópode. Existem muitas maneiras de experimentar o outro. <br />
<br />
A amante rodeia, espera. A paciência é seu algoz e seu ponto de ebulição. Ela a fada líquida e afrodisíaca. Entrega-se em deleite ao irromper em braços de abraços, suores, tremores. A amante toca, tateia, sente. A amante lambe, prova, degusta. Essa mulher não conhece as amálgamas da antiga instituição burguesa. A histeria não lhe encarna num divã. Seus encontros não exigem troca de alianças. Ela está livre para fugir e para gozar. Livre para deixar. Existem muitas maneiras de experimentar os corpos.<br />
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O drogado alucina. O louco delira. A formiga ajunta. O leão mata. A hiena ri. A criança fantasia. O palhaço se pinta. A menina também. Um rizoma se espalha. O inferno suicida. A cobra ataca. O atleta corre. O recém-nascido chora. O recém-nascido mama. O músico ouve. O poeta finge. O jovem quebra. Os olhos pedem. Uma voz se espalha. Os budistas meditam. O preguiçoso dorme. Um furacão levanta. O tsunami engole. O camaleão engana. A lagarta faz-se borboleta.<br />
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Existem muitas maneiras de experimentar...<br />
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<div style="text-align: right;">Bruno Costa</div><div style="text-align: right;"><br />
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</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com33tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-58268418899306195522010-11-24T00:20:00.000-02:002010-11-24T00:20:46.116-02:00Imperativos da Felicidade<div style="text-align: justify;">Abriu a primeira gaveta da cômoda ao lado da cama de seu quarto. Encontrava-se já fechada havia algum tempo, não muito. Ali, o título do livro lhe anuncia a salvação possível. Não era a bíblia, o talmude ou o alcorão, tampouco um livro do darma budista. Estes andam por demais ultrapassados na era tecnicista, embora os usos ultrapassem os tempos, são as contradições da história. Recebera no último natal, época em que o leu vorazmente, ou como se diz no popular, “devorou-o”. Apesar disso, o livro agora lhe parece inteiramente estranho, carregando consigo um conteúdo desconhecido. Sabemos como acabam empoeirados os títulos outrora cobiçados, mas este em especial trouxera ares de esperança quando Francisco pedira no amigo-oculto do trabalho. José, seu primo, aconselhara a leitura após ter superado um período delicado com sua ajuda, ou auto-ajuda e, claro, a do psicoterapeuta. Na verdade, este último foi quem indicou a leitura. Porém, pareceu-lhe não fazer mais o mesmo sentido. Afinal, essas coisas não costumam retornar, a cada dia o seu mal e assim vamos seguindo, mesmo quando não gostamos de aceitar. De certo que a vida seja marcada pelo que deixamos de ser no tempo, não o contrário. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Talvez fosse mais recomendável procurar por outro especialista. Francisco já se encontrava cético quanto ao poder de sua alimentação balanceada, já desconfia do prometido bem-estar cujos efeitos revigorantes ainda não viu. Os exercícios matutinos sem dúvida são bons, mas seu corpo demanda por mais, porém nada que uma série mais alongada possa dar conta. Então, um psiquiatra, quem sabe? Talvez possua algum distúrbio como o de Laura, sua ex-mulher. Ou então uma síndrome pouco explorada pelas ciências humanas, como a de seu já falecido tio Jarbas. Quem sabe ainda um transtorno como o da vizinha Manuela. Até mesmo poderia ser o “de cujus” da TDAH de seu filho, o infeliz herdeiro. Mal sabe Francisco quantas mais não são as multiplicações das páginas dos compêndios psiquiátricos e psicológicos. Que ele não leia a respeito das estimativas. “Mais fácil para um bom diagnóstico?”, perguntou ao vento, “mais difícil alcançar a normalidade”, ponderou surpreso com o lugar ao qual o pensamento o levara. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Há de existir uma trilha sem nome, sem fim”. Francisco decidiu que era hora de dar um tempo da ordem desordenada de sua vida. Era hora de se deixar levar, errar sem destino. Tatear sem pistas, sem objetivo, sem projeto. Andar sobre as vagas, flutuar. “O caminho da felicidade é o que nos impossibilita de alcançá-la, ou melhor, de criá-la”, conjecturou. Entre prantos e sorrisos, Francisco fechou a gaveta da cômoda. </div><br />
<div style="text-align: right;">Bruno Costa</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com34tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-56049497241486209412010-10-28T14:59:00.001-02:002010-10-28T15:00:30.264-02:00Verdades e ironiasNo domingo, talvez o mais sagrado do ano e, quem saberá dos próximos quatro, a freira vota buscando exprimir a essência divina em duas teclas para que se faça conhecer a vontade una e transcendente aos mortais, apontando é claro, para sua dimensão eterna, para a incorruptibilidade do espírito. Seu voto, nos dois sentidos, denuncia a astúcia da carne, ledo engano para o caminho da perdição, da degeneração e aniquilamento da alma. Sua confirmação se da pela e para confissão da natureza pecaminosa dos homens, primeiro passo para expiação dos pecados. Aperta a tecla, aperta ao lado, aperta o verde. Redenção. <br />
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O fiel, obediente e temeroso, caminha a mesma vereda trilhada pelo sacerdote contemporâneo. Este último, homem de muita fé, virtuoso e escolhido pelo Senhor para combater o bom combate, a batalha dos séculos, o jogo que não se vê. Enfrenta os olhares e adentra o baixio das bestas para cravar no coração do maligno a espada de fogo celestial. Do púlpito, ele traduz a língua dos anjos e a vontade do Senhor dos Exércitos para o povo escolhido, que sairá dali com a certeza de que aqueles dois números renovarão de esperança uma sociedade entregue aos prazeres da carne e assim ruma para o fogo eterno, mas disso já falamos. Aperta um e depois o outro e o verde em seguida. Vitória.<br />
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A jovem pensa que ainda é tempo de viver sob a égide da moral de seus pais e, talvez mesmo a dos pais de seus pais. Tudo para que não entre o mundo em colapso e para que não seja em seus dias a derrocada da vida humana. Não é preciso criar novos valores, eles já lá estão. A família não pode ruir, pois sem ela não teríamos chegado tão longe. A diferença não pode passar assim, levianamente, atacando e ferindo o direito de outros já conquistados. A moral e os bons costumes devem superar o caos. Três toques. Justiça. <br />
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Todos que, entre o bem e o mal que se oferecem às vistas, escolhem o bem, para que não chegue o dia em que olhem para trás e digam “estivemos quietos”, apertam os dois números e confirmam. Vida.<br />
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Na semana seguinte ao triunfo do domingo pacífico e sangrento, já se contabilizam dezessete jovens espancados, três dos quais não resistiram aos ferimentos, ao longo do território da pátria Brasil. Todos réus confessos da onda fascista e inconsequente que insistem em encarnar: "gays". Ainda com o passar de mais alguns dias, dezoito jovens são encontradas mortas na periferia, carregando em seus corpos o que não poderiam esconder, ainda que tivessem tentado: "mães sem coração". No decorrer do ano, dez jovens ainda seriam presos por atos de terrorismo e vandalismo, desafiando a imprensa em sua liberdade limpa, inocente e neutra em favor da verdade agora e sempre. <br />
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O Brasil pôde mais. <br />
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<div style="text-align: right;">Bruno Costa</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com33tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-72416764701084671162010-10-15T14:38:00.010-03:002010-10-19T06:48:01.789-02:00Considerações provisórias 2<p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify">É impressionante como política na maioria das vezes não interessa ao povo brasileiro. </p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify">As pessoas reclamam dos candidatos, mas de fato, poucos refletem ou reclamam de seus próprios atos. A memória dos brasileiros por muitas vezes tem se mostrado bastante curta. Alguém me explica como pode Fernando Collor de Mello quase disputar o 2º turno para o cargo de Governador do estado de Alagoas no ano de 2010? E antes disso... como fora senador do ainda Alagoas? Pior que diante de tudo isso, ainda sim, presenciamos a dificuldade pra validar a Lei do "ficha limpa" as vésperas de uma eleição... afinal, pra que a pressa?! </p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify"><o:p></o:p></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify">O eleitor as vezes não compreende que a democracia em exercício, como já dito em post anterior, é não somente o ato de votar, mas também, dentre outras coisas, o acompanhamento do percurso do candidato ao qual fora delegado o “poder” de representatividade. O governo não é do político x ou y apenas. O governo é do povo! Deveria ser de todos! Se o povo não está de acordo com o tipo de governo, ou se as propostas eleitorais não são cumpridas durante o mandato, é o povo quem deve também fiscalizar e ir pras ruas exigir que a política não seja "essa palhaçada” como muitos fazem questão de admitir em alto e bom som. E são esses mesmos, que por muitas vezes nem sequer lembram em quem votaram para os demais cargos que não o de presidente... como então cobrar alguma coisa? Sendo assim, o “circo” é montado e segue seu itinerário levando gargalhadas a fora; de alguma forma tem público cativo, passivo, sempre nas fileiras e cadeiras, atentos, em alguns momentos até aplaudindo. Muitos se distraem com o doce, com a pipoca, com a paquera que está ao lado, com a chuva que segue do lado de fora... enfim, seja qual for o motivo, o particular é sempre mais importante que a cena, ou seja, nesse caso o cenário político.</p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify"><o:p></o:p></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify">Muitas pessoas, em especial a comunidade cristã, estão se manifestando contra a candidatura de Dilma Roussef à presidência, baseando-se em algumas questões que tem<span style="font-size:0pt;"> </span>aparecido no quadro eleitoral já há algumas décadas. Não é com intencionalidade de julgamento que faço esse comentário, apenas sugiro que possamos parar pra pensar o porquê não nos unimos assim para criticar o dinheiro que é desviado da saúde e da educação, por exemplo, ou para defendermos o combate a pobreza, ao preconceito, a segregação, as vozes que são caladas diariamente? Por que não reflitimos sobre essa visibilidade e produção de conhecimento impossibilitada para alguns específicos grupos socias? O que é mostrado na maioria das vezes, geralmente se faz através de uma lente negativa, afirmando a desclassificação, mantida pelo discurso midiático, que por muitas vezes reproduzimos. Mas porque poucos questionam o que afeta o outro, quando a questão não nos afeta? Exitem muitas questões que ferem também os princípios cristãos e que desejariam chamar a mesma atenção que algumas tem chamado nesse último mês. Vamos pensar sobre a pobreza, a educação, a saúde, a falta de amor, a violência, a intolerância, a desigualdade social... seria muito bom se essas coisas nos motivassem a exigir uma posição dos canditados e do governo.</p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify"><o:p></o:p></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify">O PSDB agora está preocupado em acusar o PT como “o partido que não gosta da imprensa”, mas o “papel” para o qual a maior parte da mídia atualmente se presa pode se dizer questionável. O Brasil nunca esquecerá a contribuição de uma parte militar, direitista e conservadora do governo/população que calou jornalista e matou seus opositores, numa ditadura que está logo ali atrás... dessa censura não se toca no assunto. O que se discute em relação a censura atualmente é apenas a superficialidade, ninguém quer partilhar a monopólio dos meios de comunicação, preocupam-se apenas se vão poder continuar manipulando e “construindo” o cidadão de modo favorável a manutenção da “ordem”! Pouco se discute democratizar os meios comunicativos e viabilizar a liberdade de expressão, isso não é assunto pra pauta! É importante lembrarmos, como já diria um bom professor de sociologia que conheço, que “a primeira versão é sempre a primeira versão e não o fato”, sendo assim, por vezes, faz bem desconfiar da primeira versão. </p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify"><o:p></o:p>As vésperas de um 2º turno, assim como devemos pensar em quem iremos votar, seria interessante pensarmos a nossa atitude enquanto cidadão, a nossa atitude enquanto povo, que acredito ser um povo com muito valor e que muito pode! Nesse sentido eu não desejo a manutenção da ordem... não dessa “ordem” que bem conhecemos! Eu prefiro a dúvida, o questionamento, a transformação! Isso que tanto lutam pra que não possamos conquistar!!<br /></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="justify">Querem corpos dóceis. Sendo assim... eu prefiro o “caos”.... Bem vindo seja! </p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal" align="right">Joyce Abbade</p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Joyce Abbadehttp://www.blogger.com/profile/09950575633812214508noreply@blogger.com26tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-54229795014934807892010-10-06T13:55:00.000-03:002010-10-06T13:55:40.233-03:00Considerações provisórias<div style="text-align: justify;">Passados poucos dias desde o domingo “mais importante” do ano, cabem algumas ponderações a respeito de todo processo. Não se preocupem, pois não se trata do que muita se sabe, ou seja, Tiririca, Romário, Garotinho ou outros quaisquer foram eleitos. Azar o nosso, bem sabemos. Tampouco irei reclamar e dizer que tudo será igual e corrupto como sempre. Doravante prossigamos. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ao ligar a TV vemos propagandas fora e dentro de horas. Nas ruas, panfletos sujam as cidades a cada esquina. Cartazes se espalham. O telefone toca e a voz robótica anuncia as boas novas de tal candidato. Por e-mail você recebe, sem desejar, propostas de um não-contato. Parados, ouvimos os sons de carros com mensagens eleitoreiras. Nos debates quase não se discute conceitos, estruturas, ideias ou ideais. Busca-se vender atrativos e vantagens para cada eleitor e, assim, angariar uns tanto votos mais. Músicas de fundo, crianças e velhos, ônibus e trens, enfim, lugares que não conhecem os quantos candidatos. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Estamos em pleno século XXI, mas ao contrário do que imaginam muitos, o moralismo ainda não foi superado, nem mesmo trocado. Circularam e-mails – estes geralmente enviados por evangélicos, como em todo ano de eleição – espalhavam que certo candidato a vice-presidência seria satanista. Junte-se a isto uma suposta perseguição aos cristãos que, pasmem, serão proibidos de condenar o homossexualismo e em especial sua almejada união conjugal. Ainda, como tática eleitoreira, diminuiu-se a desvantagem percentual ressuscitando fantasmas do passado, como o aborto, por exemplo, que assustaram nossos pais e avós. Porém, “ainda somos os mesmos como nossos pais”, já bem dizia a canção. Não se relacionou este problema à saúde pública, dado que muitas mulheres perdem a vida ou a comprometem por não terem condições de bancar o alto custo de uma clínica clandestina, como algumas outras podem e assim o fazem. Sendo contrário ou favorável, poderíamos ampliar o debate sem demonizar as partes. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Outros tantos eleitores, demasiado fatigados por não verem resultados que se prezem no entra-e-sai dos anos, resolveram dar seu voto à protesto. Talvez tenham esquecido que isso não terá qualquer efeito a que se possa chamar, como o nome merece, “protesto”. Nada sim, é o que irá resultar daí. Outros dirão que independentemente dos que lá estiverem tudo será igualmente ruim; não é necessário muito para saber que não é bem por aí. Basta olhar uns dez anos atrás e ver a situação das universidades públicas, as quais muito mal seguravam professores, quanto menos verbas para uma pesquisa e desenvolvimento acadêmico.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Talvez, nosso grande erro no Brasil seja pensarmos a democracia como apenas representativa e o voto como sua consumação máxima. Eleger alguém não significa suportá-lo “haja o que houver” por quatro anos necessariamente. Podemos cobrá-los, como também participar ativamente da direção política da sociedade que somos. Infelizmente os movimentos sociais são escarnecidos e parece valer mais ter crédito para curtir as delícias do capitalismo via shopping Center. A democracia deve dizer de como queremos ser governados e não apenas por quem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">DEMOKRATÍA, do grego, “governo do povo”. </div><br />
<div style="text-align: right;">Bruno Costa</div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com28tag:blogger.com,1999:blog-1159755183400154455.post-11834450641464702412010-09-27T22:35:00.001-03:002010-09-27T22:35:38.414-03:00Mais um Silva<div style="text-align: justify;">O barulho do despertador não é o som mais agradável para anunciar o início da manhã de mais uma segunda-feira, apontando o começo de mais uma semana de aventuras na vida de mais um Silva. Antes, contudo, é necessário jogar uma água fria, não necessitamos de um balde cheio, nos leitoras esperançosos por adentrarem uma história de ação, viagem ou mesmo um tórrido romance. O que resolvi chamar provisoriamente de aventura pode, um pouco mais adiante, receber outros nomes menos entusiastas. Fica ao cargo de cada um quando for chegada a hora. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Seria mais justo com nosso Silva, deixar claro que mal começou o dia, ou ainda, nem bem começou o dia e ele já estava de pé. Isso ocorria toda semana, há alguns meses, o que não torna nada mais brando, ao contrário do que se poderia ingenuamente pensar. Ainda sonolento ele segue seu ritual diurno; lavar o rosto, tomar café, escovar os dentes, trocar a roupa, pouco importando a ordem dos fatores. O que altera o produto de nosso protagonista é sua devoção a Nossa Senhora, acredita ele. Nenhuma em especial; não a dos motoqueiros, não a dos pobres, nem mesmo a dos trabalhadores. Talvez a da grande família Silva, se houvesse, ou se ele soubesse. Então fica assim, a Mãe do Senhor, como crê e se agrada em entender. Suas mãos selam em seu corpo as marcas invisíveis da cruz e após isto, beija e coloca sua medalha devota. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No pequeno espaço encontrado ao lado de fora, o qual improvisou o denominou garagem, apanha sua motocicleta e sai para abastecer, porém não sem antes fincar sua pequena bandeira amarela, sua propaganda de trabalho, seu anúncio, donde se pode ler “moto-táxi”. O serviço não é legalizado, mas nem por isso deixa de ser importante. O transporte na cidade maravilhosa continua caótico, apesar do eterno futuro promissor. É neste veículo, sem muita segurança, que trabalhadores garantem a chegada de muitos, e disso se orgulha o Silva. Sim, orgulha-se, embora não se iluda. Sabe bem dos riscos das fiscalizações e do baixo lucro. Mas sem muito que fazer, pilota sua moto nas ruas do subúrbio da cidade, que do lado de cá não exibe muitas maravilhas, como bem desconfiamos. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Na primeira parada, duas candidatas se aproximam. Ele encosta e já se percebe o clima de disputa. Nenhuma delas irá ceder o lugar, afinal, ambas, como todos, estão sem tempo de sobra. Logo souberam que não era necessária uma disputa. Como se trata de uma “lotada”, havia espaço para as duas. Entreolharam-se receosas, mas Silva demonstrava confiança e logo tratou de ajudá-las a subir. Os assentos não eram dos mais confortáveis, mas disso já nem se reclama tanto. Pode ser o costume, que também agora em nada alivia a situação. O asfalto não era dos mais lisos, embora ainda muito bem se equilibrasse o trio. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em alguns momentos, as passageiras ouviam Silva balbuciar algumas palavras, num mesmo tom, mesmo ritmo. Intrigada, a de trás perguntou a da frente o que seriam as palavras. “Ele está rezando uma Ave Maria”, foi a resposta. Logo foi possível ouvir em bom tom “bendito é o fruto do Vosso ventre...”. Até mesmo riram as duas, não sem suceder um grande estranhamento à parada da moto ao sinal de mais um passageiro. Elas discutiram dizendo que já ninguém cabia ali, como se preciso fosse. O rapaz que chegava trazia um sorriso amigo e logo sentou atrás delas; bem apertados e, agora, abraçados, quase fraternamente. Como dizia o rei: “na angústia nasce um irmão”. O medo das jovens não foi maior que a preocupação com o horário da labuta e, além disso, o novo passageiro as tranqüilizou, ou tentou, alegando todo dia fazer a lotada com o Silva. Fugir dos engarrafamentos era o ponto de vantagem. E a viagem prosseguia pela Avenida Brasil, bastante movimentada e perigosa, quando as jovens perceberam que o homem de trás também rezava, em sincronia com Silva. A aventura-pesadelo rumou ao Centro da cidade. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Perto do fim a moto acelerou por entre uns tantos carros, cortando um ônibus em alta velocidade para antecipar o fechamento do semáforo, mesmo este já estando enrubescido. O arrepio os atingiu em cheio e, nesta hora, a fé os uniu. Ou desespero, como queiram. Como um coral de igreja reformada, a plenos pulmões e em uníssono, rogaram a santa “agora e na hora de nossa morte...” e eis que as manobras milagrosas, da santa ou do Silva, mais uma vez permitiram ao protagonista terminar o primeiro serviço do dia, e aos demais sobreviverem. O momento os uniu, tal como um Santíssimo Quarteto. No ponto de chegada despediram-se com um “Amém” que selava a manhã gloriosa. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Silva respira e retorna, em busca de passageiros. </div><br />
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<div style="text-align: right;"><em> Bruno Costa</em></div>Bruno Costahttp://www.blogger.com/profile/03377557128816312915noreply@blogger.com37