terça-feira, 6 de julho de 2010

Os Sete Pecados Capitais: GULA

Ele nunca teve muitas regalias na vida. Por outro lado, não se poderia dizer que não é vaidoso, ou até mesmo avarento, pois isso jamais lhe foi possível. Afinal, ele não é íntimo dos delírios, embora, talvez fosse esse um caminho menos duro, menos áspero, menos pesado. Na mais tenra infância, esse menino já passou por escassez severa, mas a fome, como se pode imaginar, é a mais cruel das misérias, porque ela traz consigo a denúncia de todas as outras.
Não foi instruído nos caminhos dos padres, nem mesmo em qualquer outra religião. Também não era ateu, pois os dogmas da ciência tampouco lhe chegaram as vistas. Simplesmente acredita em Deus, sem mais nomes. Somente isto, até porque mal não lhe faz. Apesar da pouca idade e da difícil "vida de cão", é capaz de contar algumas boas lembranças, motivos de orgulho, embora não convenha contar aqui e agora, para não fugirmos demasiado do contexto do texto proposto. Porém, suas boas memórias, juntamente com a saudade, são dos dias de natal, dos banquetes armados na Cinelândia por alguma igreja, a qual ele nem sabe ao certo o nome.
Tudo se inicia no pão à metro. Pão, milho, requeijão, alface, frango desfiado. Acompanhado de um gelado copo de refrigerante, muito bem aproveitado no verão de dezembro, embora os refrescos também o esperem. Bananas, sim, mais de uma. Bolo de fubá, bolo de cenoura, bolo de chocolate. Uvas, muitas uvas, com caroço e tudo. Uma pausa para respirar... Rabanada com canela, sem canela, só canela. Morango, antes da salada de frutas que fica por último. A bacalhoada também não pode ser esquecida, mas nessas horas não há amnésia que o acometa de tal sandice. Come de tudo, não se dando ao luxo de desdenhar de qualquer alimento. As ulteriores dores de barriga não lhe são problema. Alguns chegaram a lhe dizer que é consequência do pecado, do olho grande, da glutonaria. "Então o inferno é meu lugar", respondeu certa vez, sem tempo para pensar muito no que havia dito. Sábio ou louco?
De qualquer forma, algo ele havia reparado, ainda que não lhe ocorresse nenhuma explicação lógica para tanto. Perdoemos. Ainda é jovial seu modo de pensar. Todavia, voltando ao texto, como bom observador, percebeu que a maioria das pessoas gordinhas que conhecia ou via, demonstravam certo constrangimento com sua aparência. Quem sabe o tenha sensibilizado este "fenômeno" pelo fato de que era desejo seu, ainda que por efeito, ou melhor, principalmente por efeito, ser gordo. Que boa seriam muitas noites de banquete num único ano. O que ele não sabe é que a indústria do bem-estar se casou com a indústria da beleza, e dessa união nasceu um filho único: a magreza.
Enquanto isso, pela cidade, nos 365 dias do ano, muitos possíveis banquetes não se tornam reais. Num apartamento próximo, Gisele duramente diz "não" à mesa. Fernando se controla para manter o teor de gordura no mínimo. Giovana enfia o dedo na garganta e extrai suas "impurezas". Rogério não sai de casa por não ter roupas que lhe caiam bem e permanece trancado em casa, comendo culpa, devorando-a.
De repente, em um dia qualquer, nosso personagem principal entenda isso. Embora, por motivos de conter uma revolta ou um desgosto que denuncie a desventura de ter nascido em lar desprovido, seria melhor não...
Bruno Costa

20 comentários:

Lane disse...

uaau O.o leegal o post :}
gula.. acho que eu tenho esse ;x aoeioaeoe
beijos

2 Brothers News! disse...

Adorei! É realmente instigante, ainda mais para quem adora histórias, nos fazem ler e refletir, no caso, "será que faço isso?", porém quem nunca cometeu alguns pecados? É impossível não ter cometido apenas um! Marquei em meus favoritos e irei esperar mais! Abraços!

Rafael Rosa disse...

Show show....escreve muito bem...

Abraço!

Salete Corrêa disse...

O modo como você conduz o tema é elogiável, e a gente se pega pensando em quantos e quantos persoangens como o seu estão por aí achados e perdidos.

Visite o meu: http://pontapedepartida.blogspot.com/

Luciana Rodrigues disse...

Nossa, achei muito interessante a sua abordagem sobre o pecado da gula. Eu ainda não li os outros, mas bateu muita curiosidade de ler.
Bom demais, viu?
xD

Joana Camila disse...

Achei muito legal essa "Série" Pecados capitais!,e o pecado da Gula,mostra as diferenças sutis entre "os mundos" sociais.Vou ler os outros,ñ agora pq to trabalhando! xD

Emily disse...

Ótimo texto! O pecado da gula é com certeza o mais comum de todos os pecados capitais. Lerei os outros também!

Sandro Batista disse...

Bruno, que texto é esse??? Cara, você é um gênio! Você simplesmente aborda o "pecado", sob a ótica do questionamento... Não sei se foi essa a intenção, mas a mim pareceu que você quer dizer que tudo é relativo. Dependendo do ponto de vista, a gula não é um pecado, e sim salvação. Muuuuito bom mesmo, pegar alguém que passa fome e transformar em personagem de um texto sobre gula. SENSACIONAL!

Abração, e parabéns! E vlw pela visita no meu blog!

http://estacaoprimeiradosamba.blogspot.com/

camyli alessandra da silva disse...

ótimo texto!
não te caloteei não só demorei a comentar.
:)

Nivaldo Gomes Filho disse...

INTERESSANTE ADOREI SEU BLOG VOU RECOMENDA ELE.

VOU VIRAR SEGUIDOR

UM ABRAÇO FICA COM DEUS

pris disse...

put's a gulo eu cometo d+ ahahauhauhau

Ana disse...

Parabéns pelo post.
Legal a idéia dos textos a partir dos sete pecados.
Acredito que todos temos um pouco de cada um deles, pois um puxa o outro.
Gostei muito do blog vou seguir!!!

Beijos
http://opinioeseinformacoes.blogspot.com/
http://acordesmusicais.blogspot.com/

Franciele Valadão disse...

Que liindo! Adorei o modo como você expressou o tema. Parabéns!

Jeferson Cardoso disse...

Muito bem sacado: "a industria do bem-estar se casou com a indústria da beleza, e dessa união nasceu um filho único: a magreza."
Jefhcardoso do
http://jefhcardoso.blogspot.com

Jeh Pagliai disse...

Adorei o post...rs
Infelizmente, este é meu pegado, sou super gulosa :$ rs

Beijinhos, adorei!

---
www.jehjeh.com

Anônimo disse...

um belo texto, parabéns

PeopleMiss disse...

adorei o post. (:
seguindo;*

CAMILA de Araujo disse...

Me identifiquei com seu jeito de escrever

Joyce Abbade disse...

Sinceramente.. essa criatividade me deixa cada vez mais orgulhosa. Texto lindíssimo... encantador!!

Atualmente não se fala em fartura, em gula, ou em miséria... os pobres sao esquecidos, ainda que pareçam ser lembrados. NÃO! Eles NÂO se preocupam; poderia ser tudo diferente de um dia pro outro... acredite, mas ao invés disso, é lembrada a beleza, a magreza, investe-se no padrão atual estabelecido.. e assim será, enquanto houver sorrisos para toda essa "insanidade".

Parabéns pela reflexão!
Beijooo, Joyce!

Mariana O. disse...

é intrigante, porque me identifico com o jeito em que escreve, e é incrivel, como você faz histórias incriveis, de coisas que as pessoas já estão cansadas de ouvir e ler, parabéns. (: