quinta-feira, 13 de maio de 2010

Os Sete Pecados Capitais: IRA

Lá está Jonas novamente, esperando quase como um novato por uma possível renovação, sentado em aconchego no banco da catedral. Naquele ambiente de temperatura amena, onde se refugiara a mais ou menos cinco anos, este simpático senhor se sentia grato, mas também responsável por retribuir toda sorte de mudanças em sua humilde vida, embora não soubesse como mensurar seu quinhão, caso fosse possível. De qualquer modo, deveria permanecer e agradecer, por tudo e por nada.

Já era chegado o momento das ofertas, como haveria mesmo de ser, naturalmente, pontualmente. Olhando ao redor, percebeu a movimentação da membresia, embora ali comparecessem também os ilustres visitantes. Nesta hora o povo se levanta para entregar o que, ao menos supostamente, embora creiam com a santa fé, que ao Senhor pertença, mas como o combinado, fica com seu autonomeado representante até uma segunda ordem. Jonas apanha na carteira o quanto já havia reservado, por experiência, seu dízimo. Levantou-se, entrou na fila e entregou a quantia em mãos alheias. Sentou-se sentindo uma tímida repugnância em si, não por si, mas pelo que acabara de fazer.

Alguns minutos mais tarde, como também de costume, deu-se o segundo momento de ofertas e, percebendo novamente a andança, levantou-se como que mecanicamente após catar alguma coisa em sua leve carteira. Um incômodo, pelo constrangimento que sentiu, por ele e por todos, atravessou-lhe da planta dos pés aos fios de cabelo, os quais não eram lá muito privilegiados. Caminhou lentamente, pois a multidão apenas assim o permitira, e com os dentes trincados deitou a quantia juntamente às demais. Olhou o representante que recebia as ofertas com olhos bem abertos e sorriso igualmente sincero. Nosso confuso e agora nervoso protagonista retribui o gesto com um falso sorriso, o qual passou e passaria desapercebido por quem quer que fosse.

Depois, ao pensar na congregação entregando o que tinha, com seus olhos embotados de esperança e desespero, rostos cansados e corpos apenas sobrevivos, o ódio lhe tomou de assalto e antes mesmo da conclusão de um terceiro apelo, que mais parecia o anúncio de uma nova e imperdível promoção divina, ou ainda um grande investimento capital de retorno especulativo, porém quase garantido, ainda que do Procon ninguém se anunciasse, levantou-se do banco. O pastor, antes de sorrir confundindo seu gesto truculento com um ato de fé e boa vontade, ou seja, uma nova contribuição, percebeu os olhos enfurecidos de Jonas, que ainda começaria a distribuir palavrões, todos em sua direção. Os xingamentos e maldições proferidos coraram o pastor que, acreditava Jonas, era um mal intencionado.

Nosso querido e pacato irmão, tomado pela ira e, no melhor estilo demolidor, ou nas palavras do pastor, possuído, empurrava e afastava quem entrasse em seu caminho. Derrubando o púlpito e com seu punho em riste, partiu em direção ao amedrontado e indignado pastor. Porém, antes do golpe certeiro, uma meia dúzia de seguranças se amontoou sobre Jonas, encerrando seu breve sonho e o retirando do local. Qual também não foi sua má sorte, que o pastor, após o fim do culto, vendo Jonas preso em seu gabinete, irou-se e entregou o herege nas mãos dos seguranças, não sem antes enfiar seus sapatos violentamente no membro que se encontrava entre suas pernas.

No fim, nosso herói retornou para casa, bastante castigado e com sua ira dobrada, guardada agora, para o próximo domingo.