quinta-feira, 26 de maio de 2011

Postal

Dia desses enquanto lia “O Vendedor de Passados”, de José Eduardo Agualusa, algo na leitura me chamou atenção. Claro que não somente isso me afetou, porém em alguns momentos alguns acontecimentos, mais do que outros, nos tiram do lugar. É como se saíssemos do espaço geográfico em que habitamos para nos aventurar em outra atmosfera. Creio que seja mais atmosfera do que espaço. Coisas que não havíamos pensado em meio a tantas já pensadas, algumas até demasiadamente, outras mais furtivamente. A primeira coisa que gostaria de compartilhar nos remete a segunda parte dos pensamentos, os furtivos, aqueles que pensamos de passagem, passam por nós mais do que nós por eles e deixam apenas rastros, cultivados ou não.

Vejam: “A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos”. Esse foi o primeiro momento em que saí da leitura, por ela mesma assaltado, um tanto também pelo contexto da narrativa, pelo desenrolar do livro. Mas o que ficou, se assim se diz, foi – ou é – a citação acima. Os planos nos servem ao contentamento, já as surpresas, um pouco ao acaso, se as permitimos percorrerem nossos caminhos, participamos delas, ainda que por um breve instante. Fechar os olhos é não guiar, não dirigir, não trilhar. A felicidade não é um objetivo. Na verdade prefiro a palavra “alegria” a “felicidade”. A primeira traz a conotação do instante, da fugacidade e, assim, retira-nos do centro, da ilusão do controle; a segunda faz pensar em permanência, num ideal que, uma vez alcançado, estaria terminado, igual, cheio de méritos pessoais e enrijecido. A distinção é minha, não creio que seja a conotação que o autor deseje dar a ficção, tampouco me importe e etimologia das duas palavras.

O desejo, o primeiro de dois, é: “feche os olhos!”. Aproveite os momentos em que a vida não é generosa, não são todos, para alguns mais, para outros menos, são os mistérios e a insensatez da vida, não há lógica nisso, apenas ritmo. Mas quando a brisa lhe chamar pela pele, incline a cabeça ligeiramente para cima, permita ao vento brincar com seus cabelos, seus olhos verem a poeira levitar, os ouvidos ouvirem as ondas que jamais se cansam. Sinto o cheiro da chuva. Mas também o do café, do perfume, da gasolina, das gentes; veja o horizonte, sinta a velocidade nas estradas, viva a letra escrita, as imagens inventadas. Rejeite os manuais, inclusive este se assim lhes parecer. É a parte mais importante, fechar os olhos para eles.

Agora a segunda parte, ou melhor, o segundo desejo. Bem, tentarei levá-los até ele, que rematará o postal. Já sabemos e não haveria de ser diferente que, nada dura para sempre. Tudo que é matéria acaba e o que está entre ela e outra, finda também. Um dia, quem diria, até o sol cansará de aquecer, a grande estrela se fartará. As ondas não mais insistirão em bater, num dia em que não estaremos para ver e, muito possivelmente, ninguém estará. A vida passa e os anos também. Estamos em 2011, estaremos em 2059, estivemos em 1968. E passam. Mas, como tudo que passou nada é apenas alguma coisa. As coisas são, cada uma, muitas delas. Assim, o tempo não é somente os dias ou minutos na ditadura do Cronos, mas as experimentações, os acontecimentos, os instantes de alegria, os de tristeza. São além dos fatos e, não me refiro as ideias. Falo de vivências eternizadas, das saudades, do porvir. Falo sem saber.

E agora, mais um pensamento furtivo: seja feliz para sempre nos momentos em que fechar os olhos. “Somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre...”, quando é para sempre? Talvez se for inteiro, quem sabe, seja para sempre... Portanto, o desejo é de que não percamos a criança dos sorrisos, pois seria um caminho de tristezas e, quando muito, de medíocres contentamentos. Encerro assim, compartilhando mais do que pactuando, pensando alto mais que postulando, escrevendo à deriva, ainda que com palavras emprestadas: “... mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre”.

Lugar qualquer,  da/ta/vã.