quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O Natal e o Sequestro

Como havia passado rápido o ano... Já era dia 24 de dezembro novamente e o velho Noel pronto estava para mais um dia daqueles de visitas. Era a grande e variada a quantidade de presentes: bolas e bonecas, roupas e sapatos, carros importados e água mineral, caso sobrasse tempo para a África. O velho, chamado bom, podia até mesmo ouvir o clamor ocidental pela sua visita e, principalmente, do que deixaria dela.

Tudo pronto. Era hora de partir rumo a festa da civilização. Porém, Noel estranhava o silêncio entre seus ajudantes. Duvidoso, perguntava sobre os motivos de não o olharem nos olhos. Monossilábicos eles respondiam, aumentando a desconfiança do velho. Quando finalmente percebeu, era tarde. O trenó seguia para um canto desconhecido, sombrio. Tentou intervir, mas foi calado por um dos homens, percebendo não ser aquele um dos seus.

Chegaram ao cativeiro escuro, onde encontrou seus ajudantes amordaçados, junto da Mamãe Noel. Então, ele perguntou em voz alta e irada: “O que está acontecendo?”. “Isto é um seqüestro, seu velho barbudo!”, respondeu-lhe um dos seqüestradores. “Mas é natal! E as pessoas? Como ficam? Tenho de entregar os presentes”, retrucava o velho. “Este ano não tem natal!”, sentenciou o líder do movimento, e prosseguiu: “Calma coroa, todos serão informados”.

Enquanto isso, à meia-noite, todos, homens e mulheres, velhos e crianças, aguardavam a chegada dos embrulhos. Mas tudo que encontraram naquela noite foram cartas: “Acabou o sonho. Não volto mais; é o fim do natal! Sem mais... Noel”.

Um silêncio sepulcral tomou conta do ocidente. Ouviam-se prantos, gritos, lamentações e protestos. Ninguém sabia o que fazer; todos queriam o natal de volta. Mas sem Noel, não sabiam como...

No cativeiro seguia uma discussão inflamada. Os homens propunham uma outra forma de natal. Sem presentes, sem consumo. Acreditavam que o ser humano poderia viver para além dessa convenção capital, esperançosos de um novo sentido para a existência humana. O velho Noel, por sua vez, patrocinava sua fama. Para ele, o natal era a redenção, o escape ao ano estressante, onde todos poderiam demonstrar seus afetos. Mereciam maior conforto, prazer e alegria. Era o que queriam de verdade. Passado algum tempo, resolveram ligar a TV para saber o que se passava. O que viram eram zumbis levantando faixas "pró-Noel". Os sequestradores decepcionados começaram a libertar os ajudantes e a mulher do velho, embora sem decidir exatamente o que fariam.

O povo nas ruas, nas casas, chora o final deste trágico 25 de dezembro. Cada qual buscando no outro alguma resposta. Uma fresta de solidariedade parecia iniciar-se, findando o dia de natal. Mas antes dos abraços tristes, eis que Noel cruza os céus com seu trenó. A multidão delira, as luzes se acendem. E com o bom velhinho vinha também a boa-nova para o mundo globalizado:

“Eis que estive preso, seqüestrado por gente que não é alegre. Mas voltei. E com presentes. E digo ainda! O natal á partir deste ano se estenderá! Do primeiro minuto do dia 25 ao último do dia 26!”.

Lágrimas e comemorações tomam conta das cidades.

Ah! Alguns homens daquele movimento entregaram-se. Não faziam questão de viver em liberdade. Seu líder suicidou-se, enforcado numa corda de pular. Já os demais continuaram suas vidas, suas sagas; criando estratégias na esperança de mudar aquele formato mascarado...


Bruno Costa

19 comentários:

Liliane Akamine disse...

Gostei demais da sua forma de escrever, do conto e do blog. Você deveria atualizar mais vezes, escreve muito bem. Passei a seguir.

Um abraço


www.estoriasgozadas.blogspot.com

Anônimo disse...

Adorei o texto, bem escrito e faz pensar, parabéns!

Leandro disse...

eita, bom feliz ano novo pra ti!
abraços


Um pequeno mundo - (Novo site de tirinhas)
Job, Lob e sua turma espera sua visita!
http://tirinhaspequenomundo.blogspot.com/
Twitter: @umpequenomundo
abraços!

MAGALHÃES, Vini disse...

Então tem gente querendo sequestrar o Papai Noel, hein?

ha!

Seu primeiro comentário de 2010 e o primeiro blog que eu visito em 2010.
=D

Bom ano, cara!
Parabéns pelo blog

Nathalie disse...

Siiim, eu vim te visitar. rs
Excelente conto. Parabéns!

E aproveitando... um excelente 2010 para vc!

=*

Joyce Abbade disse...

Excelente texto!!
Realmente propror mudanças requer coragem e atitude. Infelizmente no texto o espírito proposto não fora alcançado, fora dele também.. tudo continua igual, e o que tem importado são as luzes brilhantes e o consumo constante. Mas outros Natais virão... quem sabe também não virá a reflexão?!
Um beijo e que as novas atitudes renasçam!!!

Xinforínfola disse...

Texto inteligente, você escreve bem. Parabéns!

Anônimo disse...

Texto inteligente, você escreve bem. Parabéns!

Letícia Liberty Bell disse...

"carros importados e água mineral, caso sobrasse tempo para a África."
Nossa... Até Noel deixando a África caso sobre tempo.
Quem sabe na Copa alguém perceba. Eu acredito que não.
Gostei do blog!
Abraços!

Mateus Santana disse...

To passando aqui para agradecer a visita que fez ao meu blog. Fico muito feliz em saber que leu meu texto e comentou!

espero vê-lo por lá novamente!
gostei muito do seu texto! e pretendo passar aqui mais vezes!!

abraço!

Anônimo disse...

Querido amigo avassalador... Uma historia de Natal inusitada... porem contemporanea e proxima da realidade.

Anonima disse...

Oioi,
Vi o link do seu blog numa comunidade
e resolvi dar uma passada :)
Ate logo

http://humor-subliminar.blogspot.com/

Leandro disse...

eita, olha a historia do cara, heheh
abraços.

Nayra Bastos disse...

E o pessoal só quer saber dos presentes... :s

Te achei na comunidade dos "blogueiros fracassados", mas o seu ainda bomba mais do que o meu! :D

Carol Mlls disse...

nossa, muito legal o texto...aliás todos seus textos são bem inteligentes...passarei mais vezes aqui...bjus


http://krol.mlls.zip.net/

T.H.S disse...

Nossa, eu realmente fiquei em choque quando li esse texto. Por que não mudar o natal? O natal era pra ser o espírito de solidariedade imposto ali, e na verdade é apenas uma máscara. Só está ali para os vendedores acabarem com os estoques. Os mendigos continuam na rua, as crianças ainda passam fome, e as pessoas ainda morrem por bala perdia ou melhor pela própria mãe natureza!

Já vou te seguir.
Quando puder me visite também
http://dramatizandoporths.blogspot.com/

Anônimo disse...

oie passando pra deixar um olazinho

Milena disse...

Feliz capitalismo, ops, feliz natal e ótimo ano novo (haha, sei que já passou faz tempo mas só pra fzer o trocadilho. Obrigada pelo coment no meu blog. =]
Milena.

Tatiane disse...

Gostei muito do texto.. Vc tratou da capitalização do natal de maneira muito inteligente. Infelizmente o espírito de natal se converteu de amor, afeto e solidariedade em simples e vazias trocas de presentes e estímulo do comércio. Os burgueses conseguiram com louvor transformar os feriados em formas de lucro. Mas o pior de tudo foi o que vc disse: as pessoas terem se rendido as lubribriações e ao discurso do capital e transformá-lo na própria essência do natal ( e de todos os outros feriados).