Foi-se. Saiu já quase noite, sem rumo, precisava apenas sair, dirigir, acelerar. Passou ao outro lado da cidade, longe de casa, longe de conhecidos, longe das lembranças. Pelo menos era o que almejara, embora não seja difícil de imaginar que não passariam de ilusão, as lembranças recentes vieram sentadas sobre o banco do carona, desceram do carro e subiram junto dele ao quarto de hóspedes do hotel em que se hospedara; não o largaram, como se com ele estivessem algemadas. Seu consolo é saber que seu algoz não resiste à luz do dia, o esquecimento o levaria, bastaria apenas um bocado de concentração – ou seria a ausência completa dela – para que a memória se esvaísse.
Porém, diferentemente das noites em que Rubens sequer pode se lembrar, é o preço que se paga ao apagar as dores vividas, deixou seu quarto já em fins de noite e pôs-se a caminhar a pé pelas ruas da cidade. Algumas já dormiam em silêncio, outras resistiam às horas. Lá, avistara uma casa de festas, talvez uma boate, talvez um prostíbulo. Foi à porta e perguntou ao segurança do que se tratava o lugar. Para a alegria de Rubens o mesmo lhe garantiu a segunda suspeita. Rubens sorriu e subiu, era o momento de vingar a desavença, de aplainar o jugo desigual. Passou a semana longe de casa; sete dias no hotel, sete noites no puteiro, perdoem o mau jeito, mas por vezes, por pressa ou impaciência, necessitamos de clareza com as palavras. Durante este período, pouco falara com sua casa; escassas ligações, meias palavras, nenhum veredito. Pedidos de perdão não aceitos, clemência adiada.
Toda noite, antes de anotar suas tarefas em seu diário azul, onde escrevia antes de apagar-se a memória para de algum modo permanecer ligado em sua vida e a ela dar continuidade, encarava o diário vermelho como se este o desafiasse e, envergonhado por não encorajar-se a ler, procurou nos corpos das meretrizes o consolo, como se uma necessidade suprisse outra. Entretanto, soube Rubens muito bem aproveitar este confuso erro. Gozou todos os dias, com todas elas. Não é preciso detalhes, reclamam os leitores. Prometo não voltar a eles, mas este fica para que conste em seu histórico.
Ao sétimo dia não se permitiu o descanso, rejeitou a mediocridade e se pôs a folhear o livro proibido, ignorando o aviso da capa, “NÃO LEIA!”. Pela primeira vez Rubens se encontraria com seu passado, com seus monstros, ao menos, ainda que de forma inocente, era o que imaginara. Visitou, agora com sua leitura, dores moribundas. O que era morto reviveu. Os zumbis, esses mortos-vivos, também andam, talvez respirem, ainda que com dificuldade; sua existência é mais sofrida, pois suas vidas carregam as dores da morte. Paradoxo. Assim, igualmente o é com as memórias desenterradas. Lamentou pela memória triste e irritou-se consigo mesmo. Já não era a primeira vez que lera o diário vermelho. Chorou. Chorou hoje as dores de outros tempos. Choro duplo. Como uma onda seu passado inundou o momento levando embora a ilusão que permitiu a Rubens se pretender intocável.
Leu o que já havia lido. Seria um choro triplo? Uma dor ao cubo? Deu-se a ira, permitiu-a possuí-lo e arrasado, destruir o quarto. Deu-se ao silêncio, às retumbâncias dos tempos tornados um só, dos passados vividos e perspectivas futuras tornados instante. Percebera que apagar as dores e enterrar os mortos, ainda que não se visite o cemitério, não impossibilita os maus dias, nem mesmo voltando a apagá-los – o que parece temporário. Decide então apagar todos os seus dias, porém não todos de uma vez, logicamente; um após o outro, apenas isso, embora seja já incrivelmente muito. Uma rotina desfeita pela raiz pode ser um caminho mais eficiente, era o que imaginara. Ou apenas o que desejara. Num lapso de não se sabe o que, acende uma pequena fogueira e queima o diário vermelho e com ele os espectros assombrosos de seu passado. Rubens é agora o homem sem memória. Anota as tarefas no diário azul. Esquece e dorme.
Volta para casa e toma em seus braços sinceros a mulher que lhe espera.
Porém, diferentemente das noites em que Rubens sequer pode se lembrar, é o preço que se paga ao apagar as dores vividas, deixou seu quarto já em fins de noite e pôs-se a caminhar a pé pelas ruas da cidade. Algumas já dormiam em silêncio, outras resistiam às horas. Lá, avistara uma casa de festas, talvez uma boate, talvez um prostíbulo. Foi à porta e perguntou ao segurança do que se tratava o lugar. Para a alegria de Rubens o mesmo lhe garantiu a segunda suspeita. Rubens sorriu e subiu, era o momento de vingar a desavença, de aplainar o jugo desigual. Passou a semana longe de casa; sete dias no hotel, sete noites no puteiro, perdoem o mau jeito, mas por vezes, por pressa ou impaciência, necessitamos de clareza com as palavras. Durante este período, pouco falara com sua casa; escassas ligações, meias palavras, nenhum veredito. Pedidos de perdão não aceitos, clemência adiada.
Toda noite, antes de anotar suas tarefas em seu diário azul, onde escrevia antes de apagar-se a memória para de algum modo permanecer ligado em sua vida e a ela dar continuidade, encarava o diário vermelho como se este o desafiasse e, envergonhado por não encorajar-se a ler, procurou nos corpos das meretrizes o consolo, como se uma necessidade suprisse outra. Entretanto, soube Rubens muito bem aproveitar este confuso erro. Gozou todos os dias, com todas elas. Não é preciso detalhes, reclamam os leitores. Prometo não voltar a eles, mas este fica para que conste em seu histórico.
Ao sétimo dia não se permitiu o descanso, rejeitou a mediocridade e se pôs a folhear o livro proibido, ignorando o aviso da capa, “NÃO LEIA!”. Pela primeira vez Rubens se encontraria com seu passado, com seus monstros, ao menos, ainda que de forma inocente, era o que imaginara. Visitou, agora com sua leitura, dores moribundas. O que era morto reviveu. Os zumbis, esses mortos-vivos, também andam, talvez respirem, ainda que com dificuldade; sua existência é mais sofrida, pois suas vidas carregam as dores da morte. Paradoxo. Assim, igualmente o é com as memórias desenterradas. Lamentou pela memória triste e irritou-se consigo mesmo. Já não era a primeira vez que lera o diário vermelho. Chorou. Chorou hoje as dores de outros tempos. Choro duplo. Como uma onda seu passado inundou o momento levando embora a ilusão que permitiu a Rubens se pretender intocável.
Leu o que já havia lido. Seria um choro triplo? Uma dor ao cubo? Deu-se a ira, permitiu-a possuí-lo e arrasado, destruir o quarto. Deu-se ao silêncio, às retumbâncias dos tempos tornados um só, dos passados vividos e perspectivas futuras tornados instante. Percebera que apagar as dores e enterrar os mortos, ainda que não se visite o cemitério, não impossibilita os maus dias, nem mesmo voltando a apagá-los – o que parece temporário. Decide então apagar todos os seus dias, porém não todos de uma vez, logicamente; um após o outro, apenas isso, embora seja já incrivelmente muito. Uma rotina desfeita pela raiz pode ser um caminho mais eficiente, era o que imaginara. Ou apenas o que desejara. Num lapso de não se sabe o que, acende uma pequena fogueira e queima o diário vermelho e com ele os espectros assombrosos de seu passado. Rubens é agora o homem sem memória. Anota as tarefas no diário azul. Esquece e dorme.
Volta para casa e toma em seus braços sinceros a mulher que lhe espera.
37 comentários:
Um ótimo final para um ótimo texto!
não li os outros posts, mas pelo final eu gostei!
juro que volto e leio tudo!
beijos
Cara muito bom concordo com os comentários acima o final foi bom de mais,vou ler o blog outras vezes.
Olá Bruno e Joyce, devo admitir que gostei muito dos seus textos e queria convidar vocês dois a participarem do Clube de Escritores, que é um lugar pra galera jovem que curte escrever se reunir e tal.
se quiserem participar, mandem um e-mail:
kmdolima@gmail.com
É incrível como um texto bem escrito faz toda a diferença para que a leitura não se torne tão cansativa.
Parabéns!
O final é realmente excelente. Agora tenho que voltar para ler tudo na ordem correta, não? Parabéns pelo texto, fluido, gostoso...
Abraços.
Lílian Buzzetto
Do Mulherices
[Passe lá, se puder!]
um ótimo texto
finalizou muito bem
parabéns
A dualidade do esquecimento/lembrança, azul/vermelho, fez-me recordar dessa dualidade transposta para o contexto Matrix - embora eu admita que não prestei a devida atenção para compreender os detalhes cruciais desse filme. No seu conto, o livro vermelho representa os fantasmas, essências vitais do protagonista que permanecem hibernando, pois ao despertarem, sugam-lhe a alma pela força disruptiva e agonizante que carregam. Ao ser queimado, o livro vermelho torna-se azul, um livro desvitalizado, da falta da memória afetiva, em que a pacificação reina com a condição de viver neutralizado, mortificado, sem dores mas também sem vitalidade. O livro azul, cinzas do vermelho, sem angústia, mas também sem identidade. Gostei muito! Parabéns! Abraços...
Otimo texto, eu achei otimo!
"Volta para casa e toma em seus braços sinceros a mulher que lhe espera." Muito bom o final! ;D
Abraço e sucesso!
a vida mergulha e morre nesse ponto!
cade?
te espero lá!
:D
http://www.novaquahog.com/
com força!
Seu blog é irado man, parabéns. abraço!
ótimo texto , ja to seguindo , segue o meu :
http://andyantunes.blogspot.com/
uuuaaau cara,
deixa de ser bobo!
Blog podem te copiar! Junta tudo isso e faz um livro. De contos, não sei.
Escreve muito bem!
Parabéns!
Ola. obrigado pela visita
meu estilo de escrita n faz o estilo de leitura de muitos na verdade rsrs.
estou te seguindo se puder me seguir agradeço.
http://recanto-espiritual.blogspot.com.
Rosa Negra.
Abraço
Contistas de dar gosto, acho que o alex traduziu realmente o q o post significou
http://www.pequenosdeleites.blogspot.com
Um excelente texto, e o teu blog é muito legal, gostei, parabéns.
Abração pra ti.
Você escreve muito bem!
parabéns pelo blog.
vou te seguir.. me segue tbm?
http://geisting.blogspot.com/
deito...
Gostei do final. =)
http://boomnaweb.blogspot.com/
http://recanto-espiritual.blogspot.com
agradece a visita.
estou te seguindo.
Rosa Negra.
Agradeço avisita cara, escreve bem tou me tornando ummebro ae, vamos trocar ideias e divulgar mais nossos blogs
Uau!!! Uma vingança... Aspirar por liberdade... Voltar ao lar... Seria como o filho pródigo arrependido? ou como alguém que apenas deliciou-se com uma janela para outro mundo? Intrigante.
T.S. Frank
www.cafequenteesherlock.blogspot.com
ótimo texto :D
adorei o blog
visite
http://wagnermp3.blogspot.com/
Nossa que bela escrita.. eu não li os outros post.. mais este final realmente é impressionante!! Parabééns pela performancee!! Beziitos.. http://thaishsouza.blogspot.com/
Amei o texto... Fara parte do meu diário vermelho rs
Beijos
Me visite!
E eu esperando que ele se encontrasse consigo mesmo...
Fiquei numas de Borges...sei lá porque.
passando para desejar uma excelent quarta feira =)
faça-nos uma visita qnd pudr.
bjos
ps: ja sigo seu blog ;)
http://cabecafeminina.blogspot.com/
Foi preciso perder a memória para ser capaz de se entregar ao ato sincero em tomar a mulher que o esperava em seus braços. Já disse que sou se fã? rs... Um grande abraços...
Como sempre é muito agradavel acompanhar o seu blog. Gosto da maneira que faz esse blog funcionar. Seus posts são sempre atraentes para nós leitores. feliz Páscoa pra você, com muita paz e muita luz!
sempre terá fim
SEMPRE!
muito bom o texto!
xD
Excelente como você descreveu as idas e vindas tumultuadas da vida culminando no exato ponto onde tudo começa: a casa. Voltar pra casa pode ser a solução; reverter o caminho, inverter as atitudes e retomar do ponto onde se parou.
Eu li, mas cansa texto grande demais!
Pelo menos tu tem uma boa escrita!
Texto bem redigido.
http://cinemaparceirodaeducacao.blogspot.com/
Perfeito , perfeito , perfeito
Excelente!
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